quarta-feira, 11 de maio de 2011

Por motivos profissionais e outros, estarei ausente do blog por algum tempo. espero ser breve.

sábado, 7 de maio de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XIX

No próprio local em que o animal cai, não lhes extraem a pele nem as vísceras, limitando-se a cobri-lo com lenha, a que deitam fogo, o animal começa a inchar devido ao calor intenso, e o seu rebentamento é o sinal para começarem a comer, participando neste acto toda a família, que acampam no local.

Quando a carne termina, o que pode demorar alguns dias, partem na perseguição de outro animal, levando assim uma vida nómada.
Quando a caça rareia, alimentam-se de tubérculos, frutos selvagens, gafanhotos, lesmas e lagartas.
Os Bosquimanes são muito gulosos por Macau, uma beberragem alcoólica tipo cerveja, fabricada pelos outros povos sedentários, como os Cuanhamas e os Mamuilas, que a obtêm pela fermentação de uma espécie de milho chamado massango e massangala.
Anos mais tarde este povo viria a tornar-se celebre e popular em todo o mundo devido á sua participação no conhecido filme “ Os deuses devem estar loucos”.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVIII

(Continuação)
- Então não chegaremos ainda durante o dia de hoje á base?
- Provavelmente não. Da ultima vez que percorri este caminho levantamos duas minas anti carro e sofremos uma emboscada que causou dois mortos e cinco feridos na coluna militar em que seguíamos – E endurecendo o tom de voz continuou.
A guerra em Angola não é um mar de rosas, como julgam as pessoas na Metrópole ou em Luanda. É melhor ir-se habituando, a região de Nambuangongo é a pior de todo o norte de Angola.
Enquanto esperávamos, o Inspetor demonstrando grande admiração pelo valor guerreiro dos seus Flechas foi-me contando.
- Exceptuando o comandante Palacassa, todos os restantes elementos deste grupo pertencem à etnia Mukankala, também conhecidos por Bosquimanos. Caracterizam-se pela cor de pela amarelada, olhos em forma de amêndoa, maçãs do rosto proeminentes e cabelos em pequenos tufos.
- Há sim!? São todos de muito baixa estatura e bastante magros! – Retorqui.
- Pois são! No entanto a sua resistência física no terreno é incomparável, suportando 2 ou 3 dias sem comer nem beber.
Perante a minha admiração e interesse em conhecer o modo de vida destes homens e da sua etnia, ainda me contou que no sul de Angola e no deserto do Calaári de onde são originários, para perseguirem as suas presas utilizam arcos e flechas artesanais de grande eficácia. Na ponta das setas colocam sempre uma mistura venenosa, obtida a partir da seiva de certas plantas, juntamente com o veneno extraído da cabeça de serpentes venenosas. Depois de atingirem a peça de caça escolhida, perseguem-na pacientemente durante alguns dias até o veneno fazer efeito e o animal cair inanimado.
(Continua)

terça-feira, 19 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVII

(Continuação)
Por volta do meio dia, com o astro rei a fustigar-nos intensamente, chegamos a uma picada com indícios de muito pouco uso, em que mal se apercebiam os trilhos deixados pelos rodados das viaturas.
Os Flechas de imediato se dispuseram estratégicamente ao longo do caminho. Com a colaboração do meu guarda-costas montei as antenas no rádio Racal tr28 e após entrar em contacto com a sede e transmitir as coordenadas do local de recolha, sou informado de que a coluna militar que tinha por missão recolher-nos já tinha partido e se dirigia ao nosso encontro.
O Inspetor da DGS que se encontrava junto de mim, dirigiu-se-me dizendo.
- Então dentro de pouco tempo seremos recolhidos. A viajem de regresso é que será mais morosa.
-Porquê? Perguntei, prevendo o pior.
Os turras são espertos e ao aperceberem-se da vinda da coluna, por certo aproveitarão a viajem de regresso para nos fazerem a vida negra, colocando minas escondidas na picada, ou montarem emboscadas.
- Não me diga que esta odisseia ainda está longe de terminar? Perguntei receoso e preocupado.
- Há! Pois! Não sou eu o comandante da coluna, no entanto assim que ela chegar vou falar com o chefe, para em conjunto delinearmos a melhor estratégia. E perante o meu espanto acrescentou – Temos que picar o caminho afim de detetarmos minas escondidas. Nos locais mais perigosos, faremos tiros de reconhecimento, enquanto progredimos a pé.
(Continua)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVI


(Continuação)
Continuava cingido nestes pensamentos, quando o Inspetor se acercou de mim e sentando-se a meu lado, perguntou-me em voz baixa, apontando para o céu extraordinariamente estrelado.
- Sabe que constelação é aquela, com uma estrela mais brilhante quase a roçar a linha de horizonte?
Olhei na direção que o Inspetor apontava, distingui o grupo de estrelas de que me falava, mas não o identifiquei.
Ele apercebendo-se da minha ignorância, acrescentou.
- É o Cruzeiro do Sul. E è a sua estrela mais brilhante que nos indica o Sul. É-nos muito útil para nos orientarmos no caso de não possuirmos bússola.
Indiferente à nossa conversa que mantínhamos em surdina, o comandante Palacassa ressonava. Como era possível? Magicava eu para os meus botões, que com esta já era a terceira noite que não pregava olho.
Apesar de extremamente cansado não sentia sono, devido ao medo extremo que se tinha apoderado de mim.
No entanto a longa noite passou sem problemas e ao romper da madrugada, quando a linha de horizonte se começou a tingir de uma tonalidade de cor azul petróleo, presságio do dia bastante quente que se avizinhava, os Flechas acordaram da letargia que parecia os ter envolvido durante a escuridão nocturna e começaram a comer as suas rações de combate. Eu bebi a ultima lata de leite chocolatado, enquanto o Comandante Palacassa ordenava em surdina e por gestos que déssemos início à marcha.
(Continua)

sábado, 2 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XV

(Continuação)
Com o sol a querer esconder-se no horizonte, demos inicio à subida de um alto morro apenas coberto de capim rasteiro.
Enquanto subia admirava um espectacular pôr do sol, com o astro rei a espraiar-se sobre a copa do frondoso verde desta imensa floresta, perdida nos confins da Africa profunda.
O comandante Palacassa não descurava a segurança e a subida deste morro era apenas mais uma manobra de diversão. Assim que o sol se escondeu totalmente por detrás da linha do horizonte, o que aqui nos trópicos acontece muito rapidamente, demos início á descida agarrados ao cinturão do camarada da frente e, de novo subimos a um morro vizinho, onde os Flechas se depuseram em circulo, ficando como vinha sendo hábito na segurança relativa do seu interior, apenas eu, o comandante Palacassa e o Inspetor da PIDE/DGS.
Esta era a terceira noite que eu dormia ao ar livre em pleno sertão Africano.
Ao contrário da noite anterior que se apresentara muito escura e fria, esta exibia um céu totalmente limpo e pejado de milhares e milhares de brilhantes estrelas, que cintilavam intensamente num firmamento totalmente livre de poluição.
Enrolei-me na capa camuflada e deitei-me no chão duro, com o rádio por cabeceira e o céu estrelado por tecto.
Envolvido pelo silêncio profundo da noite tropical, perguntava a mim próprio. O que fazia eu um jovem de vinte anos de idade, em Angola, com uma espingarda na mão?
Certamente me encontrava a defender os interesses colonialistas do governo do Marcelo e seus quejandos.
(Continua)

sexta-feira, 25 de março de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XIV

(Continuação)
Pelo meio da tarde, com o ardente sol Africano a massacrar-nos impediosamente, saímos deste cerrado labirinto verde e embrenhamo-nos num alto capinzal que nos roçava o peito. Os meus dois cantis há muito tempo que se encontravam completamente vazios, quando providencialmente encontramos umas poças de agua bastante suja e com excrementos de elefante. Os Flechas desecavam-se sofregamente com esta beberragem, enquanto eu pacientemente e como me tinha sido ensinado, enchi um dos cantis, onde inseri duas pastilhas de halazon, de seguida utilizando o meu lenço do pescoço como filtro, transferi a água para o outro cantil.

Estes comprimidos de halazon, eram-nos distribuidos juntamente com as rações de combate e consistiam num desinfestante á base de lixívia, sendo largamente utilizado pelas nossas tropas para tratamento da água.
Contudo penso que não seriam muito eficazes, já que mesmo seguindo á risca a utilização deste desinfestante, viria perto do final da comissão a contrair uma doença tropical chamada bilharziose, doença esta, provocada pela ingestão de águas contaminadas.
(Continua)

quinta-feira, 17 de março de 2011

MEMÓRIAS DE OUTRORA XIII

(Continuação)
Passados alguns minutos o bom senso acabou por prevalecer e o Inspetor virou-se para mim dizendo.

-Comunique que vamos iniciar a retirada sem termos cumprido o objetivo da missão.
Assim fiz, e de imediato retomamos a caminhada de regresso na direçao de uma picada onde posteriormente seríamos recolhidos por uma coluna militar. As coordenadas do local de recolha seriam por mim transmitidas via rádio quando chegássemos ao local combinado.
À saída da Sanzala, Palacassa esperava-me e dirigiu-se a mim com modos rudes dizendo.
-Está a ver? Você e o senhor Inspetor só embaraçam! – E perante o meu silêncio adiantou.
- Se eu tivesse vindo apenas com os meus homens, como aliás eu pretendia, iria dar caça a esses bandidos.
- Não acha que já chega de canseira? Perguntei-lhe em jeito de reprovação.
Mostrando-se muito zangado, retorquiu.
- Não! Não acho! Pior vai ser a partir de agora, o regresso. Estamos completamente referenciados pelo inimigo. Não podemos usar nenhum dos trilhos utilizados pela população. Teremos que nos deslocar sempre a abrir caminho através da floresta.
E assim receando armadilhas ou emboscadas montadas nos trilhos, avançávamos muito lentamente e com bastante esforço através da cerrada floresta virgem, os ramos e troncos entrecruzavam-se e conjuntamente com as trepadeiras formavam um emaranhado cerrado e de muito difícil penetração, apenas transponível à força de catana, uma grande faca de mato que os Flechas eram exímios a manobrar.
(Continua)

quarta-feira, 9 de março de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XII


( Continuação)
Ao chegar junto do Inspetor da DGS, este comunica-me que todo o nosso esforço e empenho foram em vão. O Soba explicara que o pequeno grupo da FNLA realmente tinha ali chegado mas bastante cedo, talvez por volta do meio dia, decidiram alterar os planos, comeram, abasteceram-se de carne seca e seguiram de imediato, caminhariam durante o resto do dia e provavelmente parte da noite.
Mesmo assim o comandante Palacassa estava decidido a mover-lhes perseguição. O Inspetor tentava argumentar que o plano de operações não contemplava essa hipótese. Eu que assistia à discussão, pedia a Deus que tivesse compaixão de mim e que o Inspetor levasse por diante a sua posição.
Também não tínhamos rações de combate para prolongarmos a operação, as que possuíamos apenas davam para a viagem de regresso. Isso para os Flechas não consistia obstáculo, já que conseguiam sobreviver apenas com os alimentos obtidos da natureza. O único estorvo á concretização dos desejos do comandante Palacassa era a minha presença assim como do Inspetor e, este muito provavelmente não permitiria que os Flechas prosseguissem sós na perseguição dos elementos inimigos.
Entretanto a manhã avançava e estava na hora de eu fazer o contacto diário com a base pelo que montei as antenas no rádio racal TR 28 e, pressentindo a indecisão virei-me para o Inspetor e perguntei-lhe.
- Diga-me o que hei-de transmitir.
Não me respondeu entretido que estava argumentando e conversando com Palacassa.
(Continua)

terça-feira, 1 de março de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XI

(Continuação)
Ao chegar junto do Inspetor da DGS, este comunica-me que todo o nosso esforço e empenho foram em vão. O Soba explicara que o pequeno grupo da FNLA realmente tinha ali chegado mas bastante cedo, talvez por volta do meio dia, decidiram alterar os planos, comeram, abasteceram-se de carne seca e seguiram de imediato, caminhariam durante o resto do dia e provavelmente parte da noite.Mesmo assim o comandante Palacassa estava decidido a mover-lhes perseguição. O Inspetor tentava argumentar que o plano de operações não contemplava essa hipótese. Eu que assistia à discussão, pedia a Deus que tivesse compaixão de mim e que o Inspetor levasse por diante a sua posição.
Também não tínhamos rações de combate para prolongarmos a operação, as que possuíamos apenas davam para a viagem de regresso. Isso para os Flechas não consistia obstáculo, já que conseguiam sobreviver apenas com os alimentos obtidos da natureza. O único estorvo á concretização dos desejos do comandante Palacassa era a minha presença assim como do Inspetor e, este muito provavelmente não permitiria que os Flechas prosseguissem sós na perseguição dos elementos inimigos.
Entretanto a manhã avançava e estava na hora de eu fazer o contacto diário com a base, pelo que montei as antenas no rádio racal TR 28 e, pressentindo a indecisão virei-me para o Inspetor e perguntei-lhe.
- Diga-me o que hei-de transmitir.
Não me respondeu entretido que estava argumentando e conversando com Palacassa.
(Continua)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA X

(Continuação)
Quando estes visitantes chegaram ao terreiro da Sanzala devem ter colocado mais lenha na fogueira, já que esta até aqui quase apagada aumenta bastante de brilho.
Sentia os ossos enregelados, pedia à Virgem de Fátima que tudo isto tivesse um fim rápido, que se fizesse rapidamente de dia, mas infelizmente e para aumentar a minha angústia a negra e temida noite estava a ser longa de mais.
Passada uma eternidade eis que o dia parece querer nascer, uma claridade muito ténue começa a cobrir muito lentamente o terreiro da Sanzala, que se encontrava desprovido de qualquer arvoredo.
Repentinamente ouvem-se dois tiros e numa grande berraria surgem de todos os lados da Sanzala, Flechas que também disparam alguns títulos para o ar.
A surpresa fora total, agora já clareava bastante e do local onde me encontrava via homens e mulheres, algumas com crianças ao colo.
Os Flechas passavam a pente fino todas as cubatas e continuavam a reunir junto do local da fogueira todos os seus moradores.
Com a situação sob controlo o meu guarda costas faz-me sinal para que prossigamos e, nos reunamos ao resto do grupo que se encontrava no terreiro da Sanzala.
Sentia os pés tremerem dentro das botas todo o terreno. Parecia-me que o medo e o terror não permitiam que desse sequer um simples passo, estava grudado ao chão, no entanto ganhei forças, levantei-me e com enorme dificuldade coloquei o rádio ás costas e pus-me a caminho.
(Continua)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRÓRA IX

( Continuação)
O golpe de mão seria lançado assim que começasse a romper o dia. Como ainda tínhamos práticamente a noite toda pela frente, os Flechas separaram-se e ocuparam posições que melhor lhes permitissem uma aproximação rápida e eficaz ao objetivo. Para o caso de perderm o contato o Flechas vinham munidos de 3 ou 4 bocados de paus muito finos para não fazerem muito barulho e que partiam, confundindo-se com os ruídos da floresta e, que lhes permitiam localizar o camarada da frente.
Eu felizmente não faria parte do grupo de assalto, ficaria numa posição mais protegida, acompanhado pelo meu fiel guarda-costas. Era um local privilegiado de onde seguiria toda a ação como se estivesse a assistir a um filme de guerra no cinema da minha terra.
A noite estava fria, muito escura e ameaçava chover, a lua continuava a dormir escondida por detrás das grossas nuvens e só uma vez por outra se deixava ver mas por poucos segundos.
O medo e o frio estavam a tomar conta de mim. Do local onde me encontrava conseguia ouvir vozes vindas da direção da sanzala, o meu guarda-costas devia dormir. Repentinamente o barulho da vegetação denuncia passos que se aproximam cautelosos na minha direçao. O medo que sinto transforma-se em pânico, no entanto continuo deitado à beira do trilho e instintivamente aponto a G3, então sinto a mão do meu guarda-costas que me aperta o braço, pelo que permaneci quieto e aterrorizado. Eram quatro homens que passaram sem dar por nós quase a roçar-nos, retive a respiração e mais uma vez gelei de pavor.
(Continua)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRÓRA VIII

(Continuação)
Ainda o tiroteio não tinha terminado e já nós descíamos pela vertente oposta do morro e, nos internava-mos no interior da densa floresta virgem. Aqui a deslocação estava a ser muito difícil principalmente para o homem da frente, a abrir caminho com a catana e que era periodicamente substituído.Pelo meio da tarde depois de uma cansativa deslocação através da cerrada floresta virgem e pelo método de passa palavra, tomei conhecimento que iríamos descansar naquele local até perto do pôr do sol, altura em que faríamos durante a noite a aproximação à Sanzala que ficava já muito próxima.
Esta operação estava a tornar-se muito perigosa e todos os cuidados eram poucos, não fosse o Soba, que provavelmente jogava com um pau de dois bicos, prevendo a nossa ida, ter-nos denunciado ao inimigo e num ápice passarmos de caçadores a caçados.
Assim que começou a escurecer retomámos a cansativa marcha, mas passado pouco tempo a escuridão total tomou conta de nós e da floresta virgem, de novo tivemos que nos socorrer do cinturão do camarada da frente para podermos progredir. 
Com um esforço sobre humano, finalmente chegamos a uma pequena elevação depois da qual e atravessando um terreno cultivado de talvez uns 150 metros, a que os nativos chamavam lavra, surgia uma clareira onde estava implantada a pequena Sanzala, habitada segundo as informações por cerca de 30 pessoas. A cubata do Soba, a maior de todas elas, encontrava-se no centro do terreiro, perfeitamente reconhecida por uma fogueira que se encontrava acesa.
(Continua)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Memórias de outrora VII


(Continuação)
Com o clarear da manhã, os Flechas até aqui deitados e imóveis, começaram a sentar-se no chão e a comerem em silêncio as rações de combate. Eu desloquei-me a rastejar até junto do meu guarda-costas que também se encontrava a fazer parte do círculo de segurança e, pedi-lhe o meu saco de onde retirei uma lata de leite com chocolate. Voltei de novo ao interior do círculo, onde tinha o rádio e a arma G3, quando terminei de beber o conteúdo da lata, com a faca de mato escavei um pequeno buraco onde a enterrei, como via fazer a estes meus novos camaradas. Os Flechas alem de caminharem furtivamente pela mata, também procuravam não deixar vestígios da sua presença, apenas falavam o indispensável e simplesmente segredando, geralmente comunicavam por gestos, não fumavam, nem transportavam objectos ruidosos ou luzidios como anéis ou relógios.
Já o sol começava a despontar no horizonte, quando repentinamente, se ouvem fortíssimos rebentamentos de granadas de morteiro 82 e de RPG 2 a cair com violência no cimo daquele primeiro morro, onde nós tínhamos dado a entender que iríamos pernoitar.
O comandante Palacassa deslocou-se até junto de mim e orgulhosamente afirmou.
- Está a ver! Devido às manobras do avião, os turras detectaram-nos. Seguiram-nos, mas caíram no engodo.
Eu continuava estupefacto e aterrorizado assistindo àquele medonho espetáculo enquanto ele adiantava.
- Daqui em diante não podemos facilitar. Caminharemos sempre pelo interior da mata
Palacasa ex-chefe da FNLA, comandara durante algum tempo a importante base deste movimento em Kinkuso na Republica do Zaire.
Devido a incompatibilidades com Holden Roberto, alguns dos seus familiares diretos foram perseguidos e mortos, contudo ele conseguira fugir e apresentara-se às autoridades Portuguesas que o integraram como comandante de vários grupos de Flechas, a partir daí o comité revolucionário da FNLA acusara-o de alta traição e colocara a sua cabeça a prémio.
De etnia Kikongo aprendera a ler e escrever numa missão protestante no norte de Angola, ao alistar-se na FNLA, fora enviado para a China, país onde frequentara vários cursos de guerra subversiva. Era um homem bastante cruel, que se fazia impor pela força, agredindo por diversas vezes os seus soldados Flechas, como eu tivera oportunidade de observar quando fomos sobrevoados pelo avião. O inspetor também me confidenciou que ainda há pouco tempo assassinara um soldado Flecha, que se tinha negado a cumprir uma ordem sua.
Comentava-se que não fazia prisioneiros e nutria um ódio mortal pelos seus antigos camaradas. As autoridades Portuguesas temendo que poderia liquidar o alto quadro que agora iríamos aprisionar, decidira integrar nesta operação o Inspetor da PIDE/DGS que era seu superior hierárquico.
(Continua)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA VI

(Continuação)
A avioneta DO 27 armada com lança granadas foguetes sob as asas aproximava-se velozmente, enquanto eu através do rádio AV P1 conhecido entre nós por Banana, tentava a todo o custo entrar em contacto com o piloto. Tarefa ingrata e muitas vezes impossível devido à fraca potencia deste pequeno rádio, agravado pelo facto de nem sempre os aviões terem o rádio de bordo sintonizado na frequência comum ao exército, neste caso o canal II.
- Pássaro. Pássaro. Aqui cobra, escuto.
Gritava eu para o rádio, mas em resposta apenas ouvia um ruído enervante parecido com o fritar de batatas.
Quando já todos desesperavamos e, com a avioneta praticamente na nossa vertical, por fim o piloto ouve-me e responde
- Cobra. Aqui pássaro. Info se necessitam apoio, escuto.
- Negativo. Agradeço afastamento, rápido. Terminado.
A DO27 retomou de imediato a sua rota, mas no entanto já tinha efetuado um circulo sobre nós. Com todas estas manobras provavelmente o inimigo já nos tinha referenciado e o efeito surpresa sido quebrado.
Para evitar possíveis emboscadas ou minas armadilhadas, uma vez que presumivelmente estávamos detectados, Palacassa decidiu deixarmos o trilho e seguirmos abrindo caminho à catanada através de uma mata próxima. Era um trajecto difícil e extenuante mas muito menos perigoso.
Ao por do sol saímos dessa terrível mata e iniciamos a subida de um pequeno morro apenas coberto de capim rasteiro, chegados ao cume os Flechas dispuseram-se num círculo de segurança e preparamo-nos para pernoitar. No entanto e como acontece nestas latitudes rápidamente escureceu, então Palacassa ordenou que voltássemos a descer o morro e que subíssemos a um outro próximo.
O curto trajecto foi percorrido muito lentamente, o céu estava limpo e muito estrelado, mas a lua ainda não tinha nascido e a escuridão era total, para não nos perdermos seguíamos agarrados ao lenço preso no cinturão do camarada da frente.
Chegados ao cume deste morro, de novo os Flechas se dispuseram em círculo. Dentro dele apenas permaneci eu, o inspector e o comandante Palacassa.
Esta era a minha primeira noite em que dormiria na temida selva Angolana. Resolvi enrolar-me na capa camuflada a que chamávamos ponche e deitei-me no chão, tendo o rádio por cabeceira e o céu como tecto. Nesta noite longa de céu limpo e carregado de estrelas, o medo, a apreensão e a incerteza começavam a tomar conta de mim e o meu pensamento vagueava para longe até à distante Metrópole e trazia-me à memória os meus amigos e familiares.
No ano anterior fora obrigado a ingressar no serviço militar obrigatório e, tinha deixado para traz toda uma vida. Agora recordava os meus colegas de trabalho e do Liceu. Muitos destes meus amigos também se encontravam combatendo nesta terrível guerra com três frentes, uns em Moçambique, outros na Guiné e os restantes como eu neste enorme país chamado Angola.
Mantinha correspondência com alguns deles e ia-me mantendo minimamente informado das agruras desta maldita guerra. Guerra que em surdina muitos de nós repudiávamos, assim como a politica colonial e fascista de Salazar e do seu sucessor Caetano. Agora aqui estava eu, um pacífico jovem de vinte anos armado em guerreiro.
Muitos perguntam agora passadas décadas porque não fugíamos para o estrangeiro. Não era nada fácil, apenas aqueles que lá tinham conhecimentos ou familiares se poderiam aventurar a tal façanha e, sujeitarem-se a só clandestinamente e correndo vários perigos, poderem regressar à Pátria a fim de visitarem familiares e amigos. A revolução de 25 de Abril de 1974 estava longe de ser imaginada e apenas depois dela, aqueles poucos que fugiram puderam regressar, agora como heróis.
(Continua)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA V

(continuação)
Rumamos durante varias horas na direcção do nascer do sol, percorrendo esburacadas e sinuosas picadas de terra.Cerca do meio-dia, com o brilhante sol Africano quase  a pique, saímos da picada principal e seguimos por um estreito caminho onde mal se distinguiam os rodados das viaturas levando a crer que era muito pouco frequentado.
Após mais de uma hora de caminhada por este atalho e com as viaturas sempre em andamento, saltamos para o chão e embrenhamo-nos rapidamente na densa selva, prosseguindo em fila Indiana.
Na frente desta fila e adiantado cerca de 100 metros seguia um elemento Flecha natural da zona, não ia fardado, mas sim vestido como qualquer nativo local, em lugar da arma levava um arco e flechas.
Caminhávamos em absoluto silêncio, evitando todos os ruídos por um trilho de pé posto muito pouco utilizado, quando ao chegar a um pequeno rio que teríamos que atravessar a vau, encontro à minha espera o inspector sentado num grosso tronco caído e a pintar a cara de preto, com pomada para os sapatos que ia retirando duma pequena lata redonda. Sentei-me junto dele, que me estendeu a mão.
- Pegue nesta lata – disse – pinte bem a cara de preto, pois nós os dois somos os únicos brancos a fazer parte deste grupo.
- Com alguma relutância esfreguei a pomada na cara e como não possuía qualquer espelho, no final perguntei-lhe.
- Que tal? O que acha?
- Formidável! Está transformado num autêntico Flecha.
Não respondi ao seu comentário satírico. Experimentava uma desagradável sensação de medo e sentia um incómodo calafrio que me percorria toda a zona da coluna. Será que iria aguentar esta jornada até ao fim? E quando começassem os tiros?
Após atravessarmos o rio, o inspector acelerou o passo e foi colocar-se no lugar que ocupava imediatamente atrás do comandante Palacassa, ou seja o terceiro da fila. Eu seguia sensivelmente a meio da coluna, lugar considerado o mais seguro. Como a mata que atravessávamos era bastante cerrada, seguíamos muito perto uns dos outros, talvez a uma distância de 2 ou 3 metros. Na minha pegada seguia um Flecha designado pelo comandante Palacassa como meu guarda-costas e com ordens expressas para olhar por mim, não me perdendo de vista qualquer que fosse o motivo. Era um rapaz alto e bastante magro de menos de 20 anos, talvez o mais novo do grupo.
A floresta até ali muito cerrada dava agora lugar a um campo de capim que nos chegava à cintura. Em surdina comuniquei ao meu guarda-costas o medo que sentia por levar o rádio às costas que me identificava como operador de transmissões e, assim oferecer um alvo apetecível para algum atirador furtivo. Muito amavelmente ofereceu-se para ser ele a transportar o rádio, carregando eu em troca com os sacos das rações de combate.
Decorrido algum tempo desta caminhada desaba sobre nós uma forte trovoada, acompanhada de estridentes e ruidosos trovões, parecia que o céu desabava sobre nós, contudo terminou tão rapidamente como começara. Fiquei encharcado até aos ossos, mas os Flechas continuavam impassíveis a sua marcha e eu tinha que os acompanhar. Então lembrei-me que já deveria ser novamente um homem branco, no meio destes destemidos soldados negros, o que me levou a sorrir para mim próprio.
De súbito sinto uma mão no ombro. Era o meu guarda-costas.
- Patrão. Vem avião.
- O que dizes?
- Avião atrás da gente. Olha!
Virei-me para trás, realmente começava a vislumbrar-se muito tenuemente no horizonte um pequeno ponto negro e já se começava a ouvir um ligeiro ruído muito longínquo.
Parecia vir na nossa direcção, voando paralelamente ao trilho, ou melhor na nossa vertical, a continuar nesta rota e ao avistar-nos tomaria-nos por turras e provavelmente seriamos bombardeados.
Os Flechas começavam a mostrar nervosismo e demonstravam intenção de correr a esconder-se numa mata próxima. O inspector juntamente com o comandante Palacassa prevendo que com essa atitude, maior desconfiança provocariam no piloto, ameaçavam-nos, obrigando-os a permanecer no seu lugar.
(continua)





terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA IV

(Continuação)
O inspector da DGS, tinha-me convidado para jantar em sua casa. Moamba de galinha e camarão frito com jindungo faziam parte da ementa, tudo isto regado com cervejas cucas.Éramos apenas três pessoas a partilharem esta refeição, eu o inspector e a sua esposa, que era uma bela rapariga. Alta de cabelos compridos negros com cerca de trinta anos, não se levantava da mesa enquanto comia, apenas dava ordens a uma empregada negra que se mantinha de pé atrás de si e que a um sinal seu se deslocava rapidamente até à cozinha onde se deveriam encontrar os cozinheiros e regressava com os respectivos pratos.
Na véspera apresentara-me no gabinete do Major de operações que com voz seca e autoritária me ordenara.
- Amanha cedo, pelas 5 horas da manha, apresentas-te no local habitual de partida das colunas, com os rádios Racal e AVP 1, uma bateria de reserva e ração de combate para 4 dias e, o mais importante - Acrescentou - Guardas rigoroso sigilo desta conversa e de tudo o resto. Alguma objecção?
- Não senhor meu Major respondi pouco à vontade.
Dando cumprimento às ordens do Major, a meio da tarde e debaixo de uma forte trovoada chegava ao Caxito. Apresentei-me completamente encharcado ao inspector chefe da Brigada da PIDE- DGS. Este homem de trinta e poucos anos, bastante moreno, sensivelmente da minha altura, mas bastante entroncado, usava um pequeno bigode quadrado a meio do queixo, tipo Hitler.
Contrastando com a sua aparência, era de uma amabilidade extrema para comigo, emprestou-me um dos seus camuflados enquanto mandava lavar e colocar a enxugar o meu. Dentro da sua larga roupa em que deveria parecer um palhaço, decidi inciar um passeio pela pequena povoação.
Aqui no Caxito encontrava-se instalada uma Brigada da DGS (Direcção Geral de Segurança) comandada pelo meu anfitrião, ex-oficial miliciano do nosso exército e que detinha sobre as suas ordens um grupo de 30 Flechas.
Os Flechas eram compostos na sua maioria por ex-guerrilheiros, aprisionados ou apresentados às tropas Portuguesas, integravam uma força paramilitar muito eficaz e bastante cruel que actuava exclusivamente às ordens da DGS que os recrutavam e treinavam. Viviam com os seus familiares num pequeno bairro de casas em adobe cobertas com chapas zincadas, construídas por eles próprios com a colaboração da própria DGS que lhes oferecia os materiais de construção, também tinham as suas lavras onde cultivavam mandioca, milho e outras culturas características da região.
Como muitos deles eram ex-guerrilheiros detinham uma larga experiencia da guerra de guerrilha e eram profundos conhecedores da selva. Costumava-se dizer que os Flechas se deslocavam na floresta como nós na cidade.
Normalmente efectuavam operações exclusivamente com elementos seus, sob as ordens directas da DGS, no entanto neste caso e por se tratar de uma operação especial tinha sido pedido a colaboração de um operador de transmissões e daí o meu envolvimento.
No pequeno briefing realizado já noite dentro, nas instalações da Brigada, encontravam-se presentes, alem de mim, o inspector, o comandante Flecha Palacassa e 20 soldados Flechas. Aí tomei conhecimento da missão: um nativo enviado pelo Soba de uma determinada Sanzala informava que um pequeno mas importante grupo inimigo em trânsito iria pernoitar na sua Sanzala daí a três noites, pelo que fora decidido efectuar um golpe de mão com o intuito de capturar de surpresa e vivos esses elementos. Após a captura, o principal elemento desse grupo, um alto quadro da FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) seria evacuado em Helicóptero que eu ficara encarregado de pedir através do rádio Racal tr28, enquanto os restantes feitos prisioneiros regressariam a pé juntamente connosco.
No final os Flechas foram armados com espingardas metralhadoras FN e, distribuídas a todos rações de combate. Ninguém mais saiu da instalações até cerca das 5 horas da manhã, altura em que tomamos lugar numa coluna militar escoltada por uma companhia do exército.
(Continua)