quinta-feira, 28 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVIII

(Continuação)
- Então não chegaremos ainda durante o dia de hoje á base?
- Provavelmente não. Da ultima vez que percorri este caminho levantamos duas minas anti carro e sofremos uma emboscada que causou dois mortos e cinco feridos na coluna militar em que seguíamos – E endurecendo o tom de voz continuou.
A guerra em Angola não é um mar de rosas, como julgam as pessoas na Metrópole ou em Luanda. É melhor ir-se habituando, a região de Nambuangongo é a pior de todo o norte de Angola.
Enquanto esperávamos, o Inspetor demonstrando grande admiração pelo valor guerreiro dos seus Flechas foi-me contando.
- Exceptuando o comandante Palacassa, todos os restantes elementos deste grupo pertencem à etnia Mukankala, também conhecidos por Bosquimanos. Caracterizam-se pela cor de pela amarelada, olhos em forma de amêndoa, maçãs do rosto proeminentes e cabelos em pequenos tufos.
- Há sim!? São todos de muito baixa estatura e bastante magros! – Retorqui.
- Pois são! No entanto a sua resistência física no terreno é incomparável, suportando 2 ou 3 dias sem comer nem beber.
Perante a minha admiração e interesse em conhecer o modo de vida destes homens e da sua etnia, ainda me contou que no sul de Angola e no deserto do Calaári de onde são originários, para perseguirem as suas presas utilizam arcos e flechas artesanais de grande eficácia. Na ponta das setas colocam sempre uma mistura venenosa, obtida a partir da seiva de certas plantas, juntamente com o veneno extraído da cabeça de serpentes venenosas. Depois de atingirem a peça de caça escolhida, perseguem-na pacientemente durante alguns dias até o veneno fazer efeito e o animal cair inanimado.
(Continua)

terça-feira, 19 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVII

(Continuação)
Por volta do meio dia, com o astro rei a fustigar-nos intensamente, chegamos a uma picada com indícios de muito pouco uso, em que mal se apercebiam os trilhos deixados pelos rodados das viaturas.
Os Flechas de imediato se dispuseram estratégicamente ao longo do caminho. Com a colaboração do meu guarda-costas montei as antenas no rádio Racal tr28 e após entrar em contacto com a sede e transmitir as coordenadas do local de recolha, sou informado de que a coluna militar que tinha por missão recolher-nos já tinha partido e se dirigia ao nosso encontro.
O Inspetor da DGS que se encontrava junto de mim, dirigiu-se-me dizendo.
- Então dentro de pouco tempo seremos recolhidos. A viajem de regresso é que será mais morosa.
-Porquê? Perguntei, prevendo o pior.
Os turras são espertos e ao aperceberem-se da vinda da coluna, por certo aproveitarão a viajem de regresso para nos fazerem a vida negra, colocando minas escondidas na picada, ou montarem emboscadas.
- Não me diga que esta odisseia ainda está longe de terminar? Perguntei receoso e preocupado.
- Há! Pois! Não sou eu o comandante da coluna, no entanto assim que ela chegar vou falar com o chefe, para em conjunto delinearmos a melhor estratégia. E perante o meu espanto acrescentou – Temos que picar o caminho afim de detetarmos minas escondidas. Nos locais mais perigosos, faremos tiros de reconhecimento, enquanto progredimos a pé.
(Continua)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XVI


(Continuação)
Continuava cingido nestes pensamentos, quando o Inspetor se acercou de mim e sentando-se a meu lado, perguntou-me em voz baixa, apontando para o céu extraordinariamente estrelado.
- Sabe que constelação é aquela, com uma estrela mais brilhante quase a roçar a linha de horizonte?
Olhei na direção que o Inspetor apontava, distingui o grupo de estrelas de que me falava, mas não o identifiquei.
Ele apercebendo-se da minha ignorância, acrescentou.
- É o Cruzeiro do Sul. E è a sua estrela mais brilhante que nos indica o Sul. É-nos muito útil para nos orientarmos no caso de não possuirmos bússola.
Indiferente à nossa conversa que mantínhamos em surdina, o comandante Palacassa ressonava. Como era possível? Magicava eu para os meus botões, que com esta já era a terceira noite que não pregava olho.
Apesar de extremamente cansado não sentia sono, devido ao medo extremo que se tinha apoderado de mim.
No entanto a longa noite passou sem problemas e ao romper da madrugada, quando a linha de horizonte se começou a tingir de uma tonalidade de cor azul petróleo, presságio do dia bastante quente que se avizinhava, os Flechas acordaram da letargia que parecia os ter envolvido durante a escuridão nocturna e começaram a comer as suas rações de combate. Eu bebi a ultima lata de leite chocolatado, enquanto o Comandante Palacassa ordenava em surdina e por gestos que déssemos início à marcha.
(Continua)

sábado, 2 de abril de 2011

MEMÓRIAS de OUTRORA XV

(Continuação)
Com o sol a querer esconder-se no horizonte, demos inicio à subida de um alto morro apenas coberto de capim rasteiro.
Enquanto subia admirava um espectacular pôr do sol, com o astro rei a espraiar-se sobre a copa do frondoso verde desta imensa floresta, perdida nos confins da Africa profunda.
O comandante Palacassa não descurava a segurança e a subida deste morro era apenas mais uma manobra de diversão. Assim que o sol se escondeu totalmente por detrás da linha do horizonte, o que aqui nos trópicos acontece muito rapidamente, demos início á descida agarrados ao cinturão do camarada da frente e, de novo subimos a um morro vizinho, onde os Flechas se depuseram em circulo, ficando como vinha sendo hábito na segurança relativa do seu interior, apenas eu, o comandante Palacassa e o Inspetor da PIDE/DGS.
Esta era a terceira noite que eu dormia ao ar livre em pleno sertão Africano.
Ao contrário da noite anterior que se apresentara muito escura e fria, esta exibia um céu totalmente limpo e pejado de milhares e milhares de brilhantes estrelas, que cintilavam intensamente num firmamento totalmente livre de poluição.
Enrolei-me na capa camuflada e deitei-me no chão duro, com o rádio por cabeceira e o céu estrelado por tecto.
Envolvido pelo silêncio profundo da noite tropical, perguntava a mim próprio. O que fazia eu um jovem de vinte anos de idade, em Angola, com uma espingarda na mão?
Certamente me encontrava a defender os interesses colonialistas do governo do Marcelo e seus quejandos.
(Continua)