segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Capítulo XII- E a estória continua

O sol brilhava com intensidade num céu azul e com um calor abrasador, a recordar-nos a todo o momento que estávamos em África. Contudo os constantes solavancos a que estávamos a ser submetidos, transportavam-nos á triste realidade de que não participávamos num alegre safari, antes pelo contrario, viajávamos desconfortavelmente na caixa de carga de uma camioneta como se de gado se tratá-se.
Agora atravessávamos uma região característica do Norte de Angola, com a estreita picada a passar por extensos vales totalmente cobertos de luxuriantes florestas de um verde intenso, de onde saíamos por vezes para contornarmos altos morros cobertos de denso capim doirado, que ondulava docemente ao sabor de uma fraca, mas sufocante brisa.
A marcha estava a decorrer a passo de caracol, demasiado lenta, o que me levava a concluir que os soldados estavam a percorrer alguns dos troços mais perigosos a pé. Lá para a frente da coluna de quando em vez ouviam-se tiros de arma G3, o que levou o meu companheiro a exclamar.
- Os nossos estão a fazer tiros de reconhecimento, mas os turras não são parvos e, mesmo que estejam ali emboscados não respondem.
Pela lentidão provavelmente também estariam a proceder á picagem da estrada á procura de minas enterradas. O método utilizado para detectar as perigosas minas escondidas na picada era muito rudimentar e, consistia numa vara de madeira com uma ponta afiada em ferro, com a qual os soldados caminhando vagarosamente na frente da coluna e, com todas as precauções iam picando a terra á procura da caixa de madeira em cujo interior se encontrava a temível arma, o que se revelava muito moroso e pouco eficaz.
Depois de muito tempo calado o Farsola que seguia no lado oposto ao meu, gritou-me despertando-me dos maus pensamentos que me toldavam a mente.
- É pá! Agora só o que faltava era os cabrões presentearem-nos com alguma mina.
- Pior será se a mina for conjugada com emboscada – Respondi eu receoso.
- Vira para lá essa boca. Não sejas agoirento – Rematou contrariado.
Pelo final da tarde e á semelhança do dia anterior, o céu que até aqui se apresentava de um belo e radiante azul, começa lentamente a carregar-se de grossas nuvens negras e, um violento vendaval acompanhado de chuva intensa, começa a cair sobre nós e sobre os restantes martirizados soldados que viajavam a peito descoberto nos bancos de madeira das viaturas.
O vento soprava com enorme intensidade e foi com dificuldade que abri o saco e retirei a capa camuflada que designávamos por ponche, quando a consegui vestir já me encontrava completamente encharcado, o mesmo acontecendo com o meu camarada que praguejava em altos berros, amaldiçoando os turras, a guerra e todos aqueles que dela tiravam partido.
MANUEL ALDEIAS



terça-feira, 24 de agosto de 2010

Capíulo XI- A rapariga do meu amigo Farsola, a Aurora.

Clareava o céu sob o imenso e deslumbrante verde da floresta Africana adivinhando mais um dia de tórrido calor, quando esta caravana de saltimbancos se colocou em movimento para aquela que tudo indicava fosse a ultima etapa até São Salvador do Congo.
O comandante da coluna informou-nos que íamos continuar a avançar em direcção ao Norte e á perigosa fronteira faltando-nos ainda algumas centenas de km e, que a situação era preocupante pois havia informações que apontavam para a actividade de vários grupos inimigos na zona e, pediu a todos que se mantivessem atentos e não descurassem a vigilância afim de não sofrermos mais dissabores.
Agora com a manhã a dar lugar á tarde, tínhamos deixado para traz uma vasta zona de floresta galeria, salpicada aqui e ali por grandes morros cobertos de capim como se fossem pequenas ilhotas perdidas no meio de um vasto oceano verde
Nesta nova paisagem da savana Africana com que agora deparávamos, o sol brilhava intensamente sob o doirado do capim e a caravana rodava vagarosamente ao sabor dos buracos da picada, quando o meu camarada olhando-me com olhar melancólico, desabafa, dizendo-me:
- Este vasto capinzal faz-me recordar as searas a perder de vista, junto da aldeia da minha rapariga.
- Então tu conheces a terra da tua Aurora? Perguntei eu.
- Se conheço, foi lá perto que passamos a semana de campo quando terminei a recruta em Beja.
O Farsola tinha conhecido a sua Aurora num baile de sopeiras na Rua do Coliseu. A bela rapariga de apenas 16 anos, servia como criada numa casa burguesa nas Avenidas Novas. Era explorada por uma patroa cruel, cínica e sem escrúpulos e abusada sexualmente ás escondidas pelo gordo do patrão, um careca bonacheirão proprietário de uma herdade no Ribatejo onde criavam touros de lide, tendo-a já obrigado a abortar clandestinamente por duas vezes.
O Farsola para a livrar destes patrões tiranos, arranjara-lhe trabalho num bar de alterne no Cais do Sodré frequentado por marinheiros, daí a ingressar no mundo da prostituição foi apenas um passo
Foram viver para um quarto alugado que ficava ao cimo da Calçada da Gloria e, que de futuro se tornaria de grande utilidade por ficar apenas a dois passos do Bairro Alto e da Boáte Monte Negro, para onde ela acabaria por ir trabalhar mais tarde.
A Aurora era uma bonita e jovem moçoila muito morena, de longos cabelos e olhos negros, não lhe faltando clientes a quem cobrava 20 escudos por pouco mais de meia hora de prazer
- Não sou ciumento. Mas não permitia que a minha rapariga fizesse noites. Essas eram para mim – contava-me ele com nostalgia, recordando as noites de amor tórrido que passara com a sua amada, contando o dinheiro que esta ganhara durante o serão e, prosseguia dizendo.
– Quando não andava a fazer automóveis em Cascais juntamente com o meu grupo, via-me obrigado a exercer um controle cerrado sobre a minha rapariga, não a podia deixar andar com muito dinheiro, pois podia ser roubada ou agredida por algum gajo despeitado. Sabes Mike, a vida de chulo não é um mar de rosas como muitos julgarão. As gajas da vida têm que levar tareia quase todos os dias para se sentirem que são alguém e não apenas objectos sexuais.
A Aurora costumava enviar-lhe periodicamente uma nota de 500 escudos escondida nas amorosas cartas que lhe escrevia. A correspondência era sistematicamente violada e o dinheiro desaparecia, para evitar estes roubos decidira remeter o dinheiro em valor declarado, esse processo requeria uma deslocação á estação dos correios, mas era um envio totalmente seguro.
Ultimamente estas remessas estavam a ser cada vez mais espaçadas e o meu camarada andava triste e desconfiado de que a sua Aurora pudesse ter arranjado outro chulo e, pior ainda que esse a proibisse de lhe enviar dinheiro.
Para esclarecer essa situação resolvera escrever ao seu amigo Chico Bolinhos afim de lhe pedir que controlasse a Aurora e, avisa-se se notava algo de estranho com a sua rapariga.
O Chico Bolinhos também ele chulo de profissão no Bairro Alto, não tinha perdido tempo e enviara-lhe uma extensa carta dias antes da partida para Luanda. Entre um chorrilho de preocupações sobre o comportamento da rapariga, ainda lhe transmitira que se constava que a Aurora ficara grávida.
Ao comunicar estas dúvidas á Aurora esta respondera-lhe que não, que era apenas um pouco de gordura a mais e a idade também não perdoava, pois há praticamente dois anos que se não viam. Também lhe contara que há dois ou três meses atrás fizera mais uma visita á parteira da Praça do Chile e que o serviço tinha corrido tão mal que fora obrigada a recorrer ás urgências do Hospital de São José, acabando por lá ficar internada quase uma semana.
- Pelo menos uma semana esteve a minha rapariga sem trabalhar. Coitada, faço-lhe muita falta! Estas gajas da vida sem um homem por perto não se sabem governar – lamentava-se saudoso o meu camarada.
MANUEL ALDEIAS

sábado, 21 de agosto de 2010

Capítulo X -  Nessa noite triste e de má memoria os meus colegas de transmissões que almoçavam e jantavam num telheiro junto ao posto de rádio, dividiram comigo o seu rancho numa atitude de grande solidariedade e companheirismo.
Despedimo-nos pesarosos e, eu deitei-me na cama do Márêta que ao princípio da noite tinha partido de rádio ás costas, juntamente com o seu grupo de combate afim de participar na perseguição que estava a ser desencadeada ao grupo inimigo.
Nessa vastíssima região do distrito do Zaire todas as posições das nossas tropas tinham entrado em estado de prevenção. As operações em curso tinham sido interrompidas e os soldados desviados para efectuarem emboscadas e reconhecimentos nos prováveis trilhos de passagem. Tarefa hercúlea e quase impossível porque o inimigo dispersava nestas situações, camuflando-se no capim alto e nas florestas cerradas, também a imensidão do território contribuía para que a fuga para lá da fronteira tivesse pleno sucesso.
Passado tempo sobre este trágico acontecimento tive acesso á sua versão oficial, que é do seguinte teor:
Em 24 de Fevereiro de 1974 um forte grupo inimigo avaliado em cerca de 35 elementos emboscou as nossas tropas em protecção á rectaguarda da coluna do MVL entre Ambrizete e Quiximba, causando 6 mortos, 2 feridos graves, 6 feridos ligeiros e 2 prisioneiros. Um dos prisioneiros um soldado Metropolitano faleceu durante a caminhada, tendo sido o seu corpo recuperado em 27 de Fevereiro de 1974 pelas nossas tropas. O outro prisioneiro um soldado negro do recrutamento local chegou juntamente com os seus raptores ao Zaire ao cabo de uma viajem de 20 dias. O inimigo ainda capturou e danificou diverso material de guerra e de enfermagem.
MANUEL ALDEIAS 






- 10

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Capítulo IX - Durante o serão, nós os transmissões juntamente com os enfermeiros reunimo-nos na enfermaria e, num ambiente de enorme consternação e pesar choramos juntos a morte dos nossos camaradas e, elevamos ao céu uma prece para que a Virgem de Fátima cuidasse dos feridos e do Marialva feito prisioneiro juntamente com um soldado negro do recrutamento local.Este soldado negro pertencia aos designados grupos de mesclagem, composto por naturais da província, os quais complementavam as companhias Metropolitanas ao chegarem a Angola e eram distribuídos pelos quatro grupos de combate.
Tudo indicava para que um ataque com esta envergadura e de tão grande sucesso para o inimigo fosse obra do destemido chefe da FNLA, Pedro Afamado, no entanto o Cabeça Gorda não se cansava de afirmar.
-Quanto a mim houve aqui mão do Comandante Veneno. Pois ainda há duas semanas recebemos uma mensagem em que a DGS de Noqui informava que o gajo tinha atravessado a fronteira, vindo da base de Kamuna.
Essa base da FNLA – Frente Nacional para Libertação de Angola, chefiada por Holden Roberto – conhecida por Kamuna ficava a escassos 20 km da fronteira na Republica do Zaire. Também a apenas 14 km da fronteira e sensivelmente no meridiano de Meposo encontrava-se a base de Necuma, ambas dependiam da importante base de Kinkuso situada 120 Km mais para o interior. Não havia dúvidas de que estávamos numa zona bastante sensível e acompanhados por vizinhos bastante perigosos.
Informações posteriores á revolução dos cravos relatavam que tinham chegado a esta importante base de Kinkuso 120 instrutores militares chineses com o intuito de treinarem os militares da FNLA. A qual dispunha de cerca de 850 combatentes prontos a entrarem em Angola e continuava desde há algum tempo a recrutar coercivamente de entre os milhares de refugiados Angolanos, todos aqueles com idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos.
As informações militares também previam um grande recrudescimento da actividade do exercito de Holden Roberto, e temia-se uma grande ofensiva da parte deste, apoiada abertamente pelas forças armadas Zairenses num tipo de guerra clássica, para a qual as nossas forças não estavam preparadas.Era destas bases que partiam os perigosos e bem treinados grupos móveis que se internavam em território Angolano afim de atacarem os aquartelamentos de fronteira, colocarem minas anti-carro nas picadas e também desencadear mortíferas emboscadas. Durante as suas deslocações estes grupos faziam-se acompanhar de carregadores e alimentavam-se de mel, frutos silvestres, carne seca e de animais que iam caçando. Ao contrário das nossas tropas estavam bastante motivados e perfeitamente adaptados á vida na mata, alem de serem profundos conhecedores do terreno.
Durante os seus trajectos tomavam grandes precauções, enviando batedores avançados a grande distancia para os alertarem sobre os movimentos da tropa, o mesmo acontecendo com guardas para lhes protegerem os flancos e a retaguarda. Dissimulavam ao máximo os seus trilhos de passagem, tentando deixar o menor número possível de indícios. Para atravessarem as picadas faziam-no por debaixo dos pontões quando estes existiam, ou estendendo panos para lhes passarem por cima, outras vezes faziam-no ás recuas para induzirem em erro as nossas tropas.
Manuel Aldeias 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

E A SAGA CONTINUA

Capítulo VIII
Assim que chegamos a Quiximba dirigi-me rapidamente ao posto de rádio, como era habitual entre os operadores de transmissões quando nos deslocávamos em viagem e parávamos nestas pequenas bases.

A solidariedade entre os soldados com a especialidade de transmissões era muito grande, em vez de pernoitarmos enrolados na capa camuflada e debaixo das viaturas como faziam os restantes soldados, nós por norma dormíamos na cama do camarada que estivesse de serviço ao rádio ou na daquele que estivesse fora em operações.
O Bolachinha que acabava de sair do posto de rádio e depois de me cumprimentar perguntou-me com a voz emocionada.
- Então conta lá Mike! Assististe á chacina?
- Eh, pá! Foi por pouco. Mas como não me afastei do meu posto quase nada sei do que se passou. Conta-me lá, houve muitas baixas?
- Constasse que terá havido pelo menos seis mortos, dois desaparecidos e vários feridos graves – respondeu-me o Bolachinha muito triste e com a voz embargada pela emoção.
Era aqui em Quiximba por ser o local mais próximo desta carnificina que tinha sido montado o posto de comando das operações de socorro e portanto os meus colegas de transmissões estavam bastante bem informados de todos os pormenores, aliás tinham sido eles aqui que receberam o primeiro SOS.
O Bolachinha continuou o seu triste relato, dizendo-me também que o nosso colega Valinhas tinha sido evacuado para o Hospital Militar de Luanda gravemente ferido, tendo o seu rádio ficado inutilizado devido ao fogo inimigo e, que o primeiro pedido de SOS fora enviado por um colega de transmissões que seguia a meio da coluna.
Coitado do meu amigo Valinhas tão animado e optimista que estava naquela noite em Ambrizete. Como estaria ele agora?
Se sobrevivesse provavelmente seria mais um inválido, inutilizado por esta filha da puta de guerra e nunca mais voltaria a trabalhar no lameiro dos pais, na sua querida aldeia da Beira Baixa.
O nosso colega Cabeça Gorda que entretanto chegara junto a nós, confidenciou-nos bastante emocionado com o seu característico sotaque Alentejano.
- Todos os doze ocupantes das duas últimas viaturas foram mortos ou ficaram feridos e mesmo os primeiros que recuaram em seu socorro caíram num campo de minas.
O Cabeça Gorda ainda me disse que o inimigo muito matreiro enterrara na berma da picada um campo de ninas anti-pessoal, comandadas á distancia e que deflagrou quando os primeiros soldados vindos da frente se aproximavam avançando pela berma da estreita picada, retardando assim a chegada de socorro e dando tempo a que o grupo de assalto subisse ás duas viaturas e furtassem vários sacos com pertences pessoais, cinturões com carregadores de balas, algumas G3, a bolsa de enfermagem do Marialva e tudo indicava que aprisionara os dois soldados dados como desaparecidos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O João Abreu ex-graduado da c.cav.8450, que na altura desta terrível emboscada se encontrava na Canga a poucos km do Meposo, teve a amabilidade de me contactar a partir da sua maravilhosa Ilha da Madeira, dando conta de que o B. Caç 4912 era maioritariamente constituído por soldados Madeirenses e não por Açorianos como eu por lapso referi.
Ainda me informou que a 1ª companhia operacional deste Batalhão se encontrava em Cabeço da Velha e a 2ª e a 3ª nos locais por mim referidos.
Ao João Abreu os meus agradecimentos pelo seu contributo para o esclarecimento dos factos ocorridos durante esse negro período da historia recente de Portugal, que foi a guerra colonial.


Muita gente está a seguir esta minha estória e alguns têm-me telefonado e enviado e-mails, afirmando que não introduzem comentários porque não tem jeito para a escrita. Volto a referir que não se coíbam de inserir os comentários, e que podem escrever do modo genuíno como pensam, aliás é também assim de modo informal que eu estou a escrever esta minha estória.


E agora depois de feita a rectificação segue mais uma parte desta minha odisseia, agora com a chegada a Quiximba e uma breve descrição das precárias instalações das nossas tropas dispersas pelo imenso sertão Angolano.
Capítulo VII- Ao cabo de algumas dezenas de km e ao descrevermos uma sinuosa curva, o Farsola grita-me.
- Anima-te, pá! Estamos a chegar a Quiximba.
- Ainda bem. Já não era sem tempo – respondo eu acrescentando – Provavelmente pernoitamos lá, ao invés de prosseguirmos até São Salvador como previsto.
- Filha da puta de viagem, era preferível não termos saído do Luvo – Lamenta-se o meu companheiro de aventura.
Efectivamente começávamos a vislumbrar ao longe umas luzinhas muito ténues em circulo. Estávamos a aproximarmo-nos lentamente de Quiximba, um aglomerado de barracas de madeira cobertas com chapas de zinco que servia de aquartelamento ás nossas tropas.
O nosso exército dispunha de dezenas e dezenas de aquartelamentos deste tipo, por norma bastante distanciadas entre sí devido á enorme extensão do território e, disseminados por toda esta imensa vastidão da selva Angolana considerada zona operacional. Era uma ocupação militar designada por quadrícula, em que as enumeras companhias operacionais ficavam responsáveis por uma vasta região em forma de quadrilátero, contíguas umas ás outras e ocupando militarmente deste modo todo este vastíssimo território. A maioria das bases eram do género deste acampamento onde agora acabávamos de chegar, sendo a iluminação eléctrica fornecida por um gerador eléctrico e como não se dispunha de electrodomésticos, este só funcionava durante a noite com o principal intuito de garantir a segurança, iluminando com projectores as zonas circundantes que eram cercadas por arame farpado, ainda dentro deste recinto  existia em todo o seu perímetro um conjunto de abrigos cavados no chão, cobertos com grossa camada de terra e ligados entre si por uma funda vala. A água normalmente era abastecida a partir de algum rio próximo, transportada diariamente num depósito atrelado a um hunimog. Os poucos frigoríficos funcionavam com o recurso a petróleo e os alimentos eram cozinhados com a muita lenha existente nas redondezas. Estes acampamentos também dispunham de um pequeno forno a lenha para o fabrico de pão. Os abastecimentos eram realizados a partir de Luanda de quinze em quinze dias por grandes colunas de camiões, como esta onde nós agora vínhamos inseridos e que eram designados por MVL (Movimento de Viaturas Logísticas).
Já os poucos alimentos frescos de que dispúnhamos eram transportados semanalmente. No nosso caso desde São Salvador, em pequenas avionetas civis fretadas ou nas versáteis D O 27 militares, as quais também transportavam o tão ambicionado correio.
Até São Salvador vindos de Luanda os frescos eram transportados duas vezes por semana no avião de carga Nordatlas, conhecido entre nós por Barriga de Ginguba.
 Foi em locais deste genero que viveram e passaram parte da sua juventude cerca de 800.000 jovens Portugueses.
MANUEL ALDEIAS

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Capíulo VI- E a odisseia continua

Com o final da tarde o céu até aqui muito azul, começa-se a tingir de escuro com grossas nuvens negras. Os raios riscam o céu e uma forte trovoada começa a despejar torrentes de água que obrigam os nossos passageiros a deixar o lamaçal e virem fazer -nos companhia.
O tempo vai passando lento e nós encharcados que nem pintos, até que a certa altura o Farsola grita-me com inquietação.
- Eh, Pá! Se passarmos aqui a noite, os cabrões caçam-nos á mão.
- Triste vida a nossa e puta de guerra, estou farto desta merda toda – desabafei atemorizado.
- Ainda agora partimos de Luanda e já tenho saudades daquela bela vida que lá levávamos – lamenta-se o Farsola torcendo o quico encharcado de água.
- Eu tenho saudades é da Metrópole e, dos meus familiares e amigos que já não vejo há quase dois anos – murmurei eu com nostalgia.
Entretanto com o dia a findar e a chuva a retomar de intensidade, este autentico carrossel de saltimbancos põe-se em movimento. Pela frente ainda temos varias dezenas de km de picada perigosa com o inimigo a espreitar e a forte trovoada a nos atormentar e impor respeito. A negra noite é cortada por inúmeros relâmpagos que desenham figuras funestas e diabólicas no céu escuro que nem breu, seguidos de trovões estridentes a recordarem-nos os rebentamentos que nos feriram os ouvidos e tiraram a vida a alguns dos nossos camaradas.