segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CHAMAVAM-LHE VITINHA

Capíulo XV
Chamavam-lhe Vitinha, olhos tristes, cara e corpo de menino, vestido com uma farda de soldado. Chegara aqui ao Quiende na última coluna do MVL há 15 dias. Pelo caminho fora acometido por uma forte crise de paludismo, com febres muito altas, que o obrigara a interromper a viajem e baixar á improvisada enfermaria da base durante cerca de uma semana, o seu estado era tão grave que passara os primeiros dias ligado a balões de soro.

O Vitinha era agora o nosso novo companheiro de viajem e, desconhecia que sofrêramos na véspera uma mortífera emboscada. Esta apenas era do conhecimento dos soldados que participavam na coluna e dos de Quiximba por ser a base mais próxima e onde fora montado o posto avançado de socorro.
Quando lhe relatamos este drama e que o pessoal do Meposo tinham sofrido 6 mortos, 2 feridos graves, 6 feridos ligeiros e ainda dois prisioneiros ficou muito transtornado e, com os olhos marejados de lágrimas contou-nos emocionado que também ele se dirigia para o Meposo em rendição individual, afim de substituir um camarada morto.
O mais recente dos nossos companheiros de viajem fazia-se acompanhar de uma grande mala de madeira, a que chamávamos mala de porão. Este tipo de malas servia para acondicionar os diversos pertences e no final da comissão depois de repleta de produtos de artesanato e outras recordações eram enviadas para a Metrópole no porão de um navio mercante, daí o seu nome.
O novo viajante abriu a mala para me mostrar acondicionado numa caixa de madeira, um gira-discos a pilhas de marca Sharp. Também me mostrou um grande volume de discos de vinil, ao mesmo tempo que me dizia.
- É pena, não podermos ligar o gira-discos. Provavelmente irias gostar de ouvir José Afonso.
- Não me digas que também tens discos do Zeca Afonso – perguntei incrédulo.
- Ah. Pois! Tenho aquele LP intitulado Baladas de Coimbra, que foi proibido pela censura logo após a sua edição e onde ele canta: os vampiros comem tudo, comem tudo e não deixam nada. No entanto não te preocupes, que vais ter oportunidade de ouvir quando chegarmos a São Salvador.
Também me contou que na sua antiga companhia, os soldados se juntavam á sua volta em grandes grupos para ouvirem este cantor proibido e também o padre Fanhais. O capitão da sua companhia propôs-lhe comprar o disco do José Afonso, chegando-lhe a oferecer bom dinheiro que ele nunca aceitou.
Disse-me que esse capitão miliciano se viu obrigado a ingressar no serviço militar, depois de sucessivos adiamentos justificados com os estudos. Estudava em Coimbra quando o ministro da educação José Hermano Saraiva foi vaiado pelos estudantes no seguimento de uma visita á Universidade que fizera acompanhado do Tomás. Ambos foram assobiados e apupados pelos estudantes que tinham sido impedidos de discursar. Como retaliação o ministro acabou com os adiamentos, obrigando os estudantes a incorporarem-se coercivamente na tropa. Muitos deles deram origem aos chamados capitães de proveta ou de aviário, assim chamados na gíria de caserna, por em pouco mais de seis meses passarem de instruendos do curso de oficiais milicianos a capitães comandantes de companhia.
-Estes combates aqui no norte são obra da FNLA, que escorraçou o MPLA para o leste e para Cabinda – disse-me ele, demonstrando profundo conhecimento da situação militar e acrescentando ainda. – O MPLA aqui no norte está confinado a pequenas bolsas e, apenas nas matas dos Dembos. No entanto no Leste para onde encaminhou grande parte do seu esforço de guerra e, apesar de constantemente perseguido pelas nossas tropas e até mesmo pela Unita de Jonas Savimbi, continua a fazer grandes estragos, chegando mesmo há poucos meses atrás a derrubar um Heli-canhão na zona de Gago Coutinho.
MANUEL ALDEIAS 

3 comentários:

José Bastos disse...

Caro Manuel Aldeias, tomámos a liberdade de partilhar este seu texto - 'Chamavam-lhe Vitinha' -, no nosso espaço, não só pelo seu interesse, mas por haver curioosa coincidência em três pontos. Esperemos que não se importe.
Um abraço do
'Grupo de Manutenção da CCaç. 2655 - Dianas Negros'

Manuel Aldeias disse...

Muito obrigado pela partlha no face book.
Cometi a liberdade de adicionar os Dianas Negros ao meu grupo de amigos.

Anónimo disse...

Caro Manuel Aldeias

Gostei do texto do Vitinha, tomo a liberdade de o publicar no blogue

http://cart345lucunga.blogspot.com/

Também eu estive, em Coimbra, na recepção ao então Ministro da Educação Hermano Saraiva e ao Presidente Américo Tomás, foi a partir daí que se começou a vislumbrar o fim da guerra colonial.

Luís Cabral