domingo, 19 de setembro de 2010

POR ANGOLA ACIMA

Parte 16
Devido ao rápido anoitecer, o céu carregara-se rápidamente de inúmeras estrelas brilhantes e, um breve clarão subia por detrás de um distante morro. Era a lua cheia em todo o seu esplendor, que ajudava a dissipar as densas trevas que escureciam a frondosa mata e nos dava as boas vindas a São Salvador do Congo.
No entanto a caminhada decorria com lentidão e, já a noite ia bastante avançada quando chegamos ao final de mais esta etapa, pela longa odisseia que estávamos a realizar por Angola acima.
Enquanto os soldados da escolta montavam segurança á coluna, nós completamente ensopados em água, lama e suor, encaminhamo-nos para um quartel que funcionava como Adidos e onde iríamos permanecer enquanto esperávamos por outra coluna que nos conduzisse ao Luvo. Este pequeno quartel onde agora nos dirigiamos ficava situado na periferia de São Salvador, mas ainda dentro da cerca de arame farpado que cercava esta cidade, que era a capital do distrito do Zaire e a maior e mais importante da região, contudo não seria muito maior que qualquer das vilas que nós conhecíamos na Metrópole.
O cabo quarteleiro já dormia e perante o nosso pedido, para que nos atendesse e desse guarida resmungou ensonado.
- Isto não é horas de me virem acordar. Podem tomar banho caso queiram.
Desenrasquem-se. Amanhã pela manhã logo os atendo.
E devido á nossa insistência, levantou o mosqueteiro que protegia a sua cama dos mosquitos e ainda ameaçou.
- Tenham tento na língua, se não amanhã pagam as favas.
Não sei o que queria dizer com esta ameaça. Descobrimos os chuveiros improvisados com uns bidões, que felizmente se encontravam atestados de água e tomamos um retemperador e reconfortante banho.
De seguida com a trouxa ás costas e as armas a tiracolo, encaminhamo-nos para o restaurante “Cressa”, que apesar do adiantado da hora se encontrava repleto de soldados pertencentes á protecção da coluna. Aqui comemos um belo bife de pacassa acompanhado pelas deliciosas batatas fritas, cortadas aos palitos muito finos características deste restaurante e, muito apreciadas por todos estes jovens fardados de soldados.
Nessa noite os soldados mostravam-se cabisbaixos e tristes, não evidenciando aquela algazarra de alegria contagiante que costumava caracterizar o ajuntamento de tantos jovens rapazes na flor da idade. Todas as conversas em tom pesaroso eram referentes á terrível e sanguinária emboscada e, mesmo entre aqueles que intervieram directamente no combate, as informações quanto ao número de mortos e feridos eram contraditórias.
Na nossa mesa faziam-nos companhia dois conhecidos de longa data do Farsola, o Grilo seu compincha da noite Lisboeta e o Sintra um calmeirão que do alto do seu metro e oitenta, afirmava emocionado mas com voz grossa e convincente.
- Pelo menos seis mortos contei eu, pois nós fomos dos primeiros a chegar e a nossa sorte foi caminhar-mos pela berma da esquerda, aquela que dava para a ravina.
- Ah, pois! Acrescentou o Grilo – A secção do Bandeira progrediu rente ao morro e caíram num campo de minas, que lhes causou pelo menos quatro feridos graves.
Eu ouvia perplexo o relato impressionante desta enorme carnificina.
O Farsola com o seu vozeirão comentava.
- Foi uma emboscada e peras, a fazer-me lembrar aquela que os de Quicabo sofreram na zona das Sete Curvas. É que lá os turras também fizeram um prisioneiro que levaram para o Congo.
- Como tiveste conhecimento disso? Perguntei-lhe curioso.
Então o Farsola contou-nos que tinha recebido uma carta de um seu vizinho de Cascais que fazia parte do Batalhão de Caçadores 3838, onde descrevia a violenta emboscada que tinham sofrido na zona das Sete Curvas entre Quicabo e Balacende, na qual perderam a vida quatro soldados e também um fora feito prisioneiro. O seu amigo também se lamentava que este Batalhão tinha sofrido este revés quando se encontrava praticamente no final da comissão.
Devido ao segredo militar em ambiente de guerra, agravado pela omnipresente censura, tanto em Lisboa como em Luanda e mesmo até nós próprios aqui no mato, não tínhamos conhecimento destes trágicos acontecimentos, o pouco que íamos sabendo era através da troca de correspondência com os nossos amigos espalhados pelo imenso território Angolano e, nas outras frentes de guerra em Moçambique e na Guiné.
Também tinha sido através de uma carta enviada pelo Batata, meu colega de trabalho no Arsenal do Alfeite, que eu tomara conhecimento de que a Guiné declarara unilateralmente a independência em Setembro de 1973 numa cerimónia realizada no seu interior, mais propriamente em Madina do Boé. O Batata ainda me contara que a situação na fronteira norte estava de tal modo complicada, que a guarnição de Guileje tinha sido obrigada a abandonar a sua posição e, fugir a corta mato até á próxima base das nossas tropas chamada Gadamael.
Após este desaire o governador da Guiné, General Spínola ordenara a prisão do comandante de Guileje, á boa maneira de Salazar aquando da invasão de Goa pelo exército da União Indiana.
MANUEL ALDEIAS

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