sábado, 27 de março de 2010

.Afinal os elementos inimigos eram três vezes mais numerosos do que nós

Quando jovem lia nos livros de historia, episódios épicos em que se glorificavam os feitos heróicos das forças portuguesas por terem vencido exércitos várias vezes superiores em numero de homens. Na época não valorizava a questão, por supor que eram apenas estórias alteradas para enaltecerem a heroicidade de um povo.
Contudo esta minha concepção da história de Portugal viria a alterar-se drasticamente em 29 de Julho de 1974. Nessa longa e fatídica noite em que eu comemorava mais um aniversario natalício, tive ocasião de testemunhar como seu directo interveniente uma tremenda e horrorosa batalha, em que as forças inimigas eram três vezes mais numerosas que as heróicas tropas portuguesas.
No dia seguinte á noite em que se desenrolou esta infernal batalha e, na sequencia do reconhecimento exaustivo que levamos a efeito em todo o perímetro do nosso pequeno e isolado destacamento, os indícios recolhidos apontavam para um elevadíssimo numero de atacantes, cerca de 250 segundo os nossos cálculos.
Estes elevadíssimos números de elementos inimigos, seriam alguns dias mais tarde confirmados pelos elementos da PIM (Policia de Informação Militar), que as teriam obtido através da sua bem estruturada rede de informações. Encontravam-se juntamente connosco dois elementos desta PIM, desterrados neste cu do mundo, que era o pequeno e ermo destacamento do Luvo em cima da linha de fronteira com a Republica do Zaire, no extremo norte de Angola.
Tambem segundo as informações militares, este númeroso grupo inimigo enquadrado por instrutores Chineses, seria precedente da importante base da FNLA ( Frente Nacional para a Independencia de Angola) em Sangololo, situada a 180 Km da fronteira e teria sido transportado assim como o seu vasto armamento em camiões do exercito Zairense até muito proximo da nossa posição. Alguns camaradas que se encontravam de sentinela nessa noite de má memoria terão ouvido o ruido dos motores, mas relacionaram-no com o movimento de uma posição de paraquedistas Zairenses localizada a 200 m da fronteira.
Até agora só o relato oral dos meus camaradas de armas apontava para esta tão grande desproporcionalidade de números, evidenciando uma relação de três para um, na medida em que as nossas forças eram apenas compostas por cerca de oitenta homens e isto porque ao inicio dessa noite o meu grupo de combate que se encontrava no mato, em patrulhamento apeado de reconhecimento e nomadizarão se ter deslocado para o Luvo afim de reforçar este posto, devido ao facto de as informações militares apontarem com elevado grau de probabilidade um ataque de grande envergadura para essa mesma noite.
Só agora passado bastante tempo foi possível recolher documentação que comprovam estes tão elevados números, conforme documentos em anexo.
A Rasenha Histórica do Comando do Sector de São Salvador refere estes números no capítulo II da página 84. (Anexo I)
Igualmente o 7º Volume das Campanhas de África na síntese da actividade operacional do Comando de Agrupamento Nº 6008/73, menciona igual número. (AnexoII).
Ambos os documentos encontram-se á guarda do Arquivo Histórico Militar em Lisboa.
No 7º Volume das Campanhas de África é tambem referido que o posto do Luvo se encontrava guarnecido por dois grupos de combate da C. Cav. 8453 e também por uma “ Esq. canhão src 10.6 “ Para esclarecimento dos factos devo esclarecer que os referidos obuses,  que tinham por missão defender este posto, não  se encontravam nele instalados, mas sim posicionados na sede da C. CAV. 8453 “OS FELINOS” em Mamarrosa a 5 km de distancia e que cumpriram completa e cabalmente a missão que varias vezes tínhamos exercitado.
Foram sem dúvida de uma contribuição imprescindível para o desfecho do combate e pôr o inimigo em debandada. Eu próprio no abrigo das transmissões e colado ao rádio Racal tr28, transmiti em condições bastante adversas,durante toda a batalha as coordenadas que os dois obuses iam varrendo com o seu poder de fogo e creio que sem a sua prestimosa colaboração muito provavelmente não estaria hoje aqui relatando esta extraordinária e corajosa odisseia.
A PIM herdeira pós 25 de Abril, da intricada mas bastante eficaz rede de informações da PIDE/DGS, tinha conhecimento de que a FNLA de Holden Roberto planeava intensificar os ataques aos aquartelamentos de fronteira, incluindo um ataque de grande envergadura ao Luvo com o intuito de  tomar de assalto este pequeno posto avançado, afim de forçar o indeciso governo provisório de Lisboa, presidido pelo Gen. Spinola, a conceder a independência a Angola.
Estes graves e atrozes acontecimentos passaram-se paradoxalmente no dia em que os principais jornais portugueses publicaram a proclamação histórica do general Spínola então presidente da República Portuguesa, que reconhece desde essa data o direito dos povos ultramarinos á sua independência.
Este terá sido um dos últimos grandes ataques ás instalações das nossas tropas. No entanto a actividade inimiga embora esporádica continuaria, principalmente com a colocação de minas anticarro nos itinerários e só viria a terminar com a última acção em 29 de Dezembro de 1974.


ANEXO I


ANEXOII

6 comentários:

C.Caç. 3413 disse...

Caro amigo, dou-lhe os parabéns pela criação deste blog. Foi com enorme prazer que li estas memórias, sabendo que tal como a C.Caç. 3413 da qual fiz parte, também esteve na Mamarrosa e no Luvo.

Um abraço do
Mário Mendes

Anónimo disse...

Pelos vistos os Portugueses continuam os grandes heróis que sempre foram no passado.
Òptima descrição, pena nas nossas escolas não se valorizarem estes actos.

Julio alves disse...

Recebi e li hoje estas notas sobre o ataque ao LUVO. Estava lá nesse dia, era o Oficial (Alf Julio Alves-2 Pelotão) que estava a frente do destacamento. Como entendem sei de tudo o que aconteceu. Efectivamente eles eram muitos, os Canhões s recuo atiraram da Mamarrosa, também sem lá chegar a Canga atirou, mortos deles, eu e restante grupo enterramo-os de manha, também de manha chegou a aviação e o pessoal da Mamarrosa que vieram a picar a picada desde a Mamarrosa. Outros dados e historias deste ataque posso escrever. Eram 0'30 quando começou dorou por 1 hora, tb atacaram c/canhão do Zaire.

manuel aldeias disse...

Obrigado camarada e amigo Alves pelo comentário deixado no blog.
Como deves ter compreendido, eu era o soldado de transmissões que me encontrava em operação no mato e, viemos reforçar o Luvo na sequência de uma mensagem recebida do comando de sector sedeado em Noqui. Nessa msg a PIM mais uma vez dava conta das suas informações que previam forte possibilidade, de o grande ataque há vários dias esperado ser naquela noite. Acertou! No entanto a posterior msg com a confirmação total, chegou atrasada, só sendo emitida para a Mamarrosa no preciso momento do início do ataque. Recordo perfeitamente ser eu o primeiro a chegar ao abrigo do rádio e ao ligá-lo, a rede se encontrar ocupada com uma msg, Zulu em cifra, que posteriormente viria a saber ser a tal msg da confirmação.
Como se deduz, já o ataque decorria há alguns minutos – para mim uma eternidade – quando consegui com grande dificuldade interferir nessa maldita msg, que ainda para mais e como deves recordar tendo o grau de precedência Zulu tinha prioridade absoluta sobre todas as restantes comunicações. A partir daí pedi a intervenção imediata dos obuses do alferes José Caramelo.
Passados todos estes anos posso agora confidenciar que o pequeno rádio Sharp a pilhas, com que teria que comunicar contigo, para tu como comandante ordenares as coordenadas a bombardear, se encontrar mudo, devido a alguém, que ainda hoje não sei quem, ter surripiado as pilhas.
Como tal e posteriormente ajudado pelo meu colega de transmissões, tentávamos descortinar de onde provinham os disparos inimigos, para poder orientar o fogo dos referidos canhões da Mamarrosa.
Como referes só ao romper da alvorada fomos sobrevoados pelos dois aviões Fiat G 91, que devido ao agravamento da situação militar pós 25 de Abril, se encontravam de prevenção em São Salvador, desta vez já foi possível o contacto através do pequeno rádio banana.
Os comandos militares temiam que devido à indecisão de Portugal, as forças militares Zairenses entrassem declaradamente ao lado do ELNA em Angola. Para nós seria um desastre total devido à nossa total impossibilidade de fazer frente a um exército regular, provavelmente equipado com viaturas blindadas.

germano disse...

oi amigos é com muito gosto que estou lendo estes comentario estou me arrepiando disso pois eu tb estava em s.salvador nessa noite pois era de transmissoes e estava de serviço me lembra sim os avioes ficarem lá e só podiam levantar demanha agente chegava a ouvir os tiros de canhao lá ao longe hoje me encontrou no norte do brasil em Bélem do Para que saudades desse tempo 73 /74 e até março de 75 quando agente regressou a portugal um abraço a todos esses bravos portugueses comando-6008 germano germanoabranches@hotmail.com

germano disse...

vamos fazer crecer mais este meio de comonicação parabens amigo