quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Capítulo XXVII

ÚLTIMO AEROGRAMA ESCRITO PELO FARSOLA À SUA AMADA.
Querida estou muito feliz, acabei de ser chamado junto do capitão, para me comunicar que finalmente chegou a mensagem a ordenar o meu regresso à Metrópole.
Partirei amanhã cedo numa escolta militar para São Salvador e daí embarcarei rumo a Luanda no avião de carga Nordatlas, aproveitando o vôo de regresso desse avião que duas vezes por semana transporta alimentos frescos desde Luanda.
Espero que da próxima vêz que te escreva já seja de Luanda a comunicar-te a data da minha chegada a Lisboa.
O regresso será realizado a bordo de um dos dois Boeing 707 ao serviço do exército e adquiridos em 2ª mão à TAP, segundo me dizem efectuam a viagem em cerca de 9 horas. Nada comparado aos longos dez dias que demorei a cá chegar a bordo do paquete Vera Cruz.
Estive há pouco, oxalá que pela última vez, a admirar um pôr-do-sol maravilhoso com as tonalidades de vermelho e de dourado a esconderem-se por detrás da imensa e enigmática floresta virgem. Só aqui perdidos na imensidão remota da selva Africana se consegue contemplar semelhante beleza.
Em boa hora deixo para traz este buraco no cu de Judas, aqui passa o tempo que não passa, sinto-me perdido no meio da escuridão e do perigo iminente, as noites são arrepios de medo. Como anteriormente te contei das diversas bases das nossas tropas que eu conheci ao longo destes dois anos, esta é das poucas em que comemos com a arma G3 na mão, ou como o meu camarada Mike costuma dizer, comemos com um olho na marmita e outro no arame farpado.
O inimigo está cada vez mais atrevido, obriga-nos a dormir vestidos e calçados nos abrigos lamacentos disparando tiros isolados durante as temíveis e intermináveis noites, o que faz com que vivamos num elevado estado de alerta.
Em menos de uma semana sofremos dois grandes ataques, no último o inimigo avançou sobre nós com um enorme poder bélico e elevado numero de efectivos, que segundo as informações militares seria composto por cerca de 250 homens comandados pelo temido Pedro Afamado, a sua intenção era tomarem de assalto a nossa posição e manterem o estatuto de ocupantes, o que para a FNLA seria um valioso trunfo a exibir nas negociações com o governo provisório de Lisboa, que três meses passados sobre o 25 de Abril continua indeciso sobre o futuro de Angola.
Ontem estive a ouvir a emissora dos guerrilheiros, a Maria Turra como é conhecida entre os soldados, a locutora afirmava que os valorosos combatentes nacionalistas tinham desferido um violento ataque ao posto do Luvo, no qual alem de infligirem vários mortos á tropa colonialista, também destruíram todas as instalações e apoderaram-se de armas, rádios e outros materiais.
É a guerra de contra informação recheada de mentiras, nós felizmente e ao contrário daquilo que a Maria Turra declarava apenas sofremos alguns feridos ligeiros, o inimigo pelo contrário abandonou na fuga 5 mortos e diverso material de guerra e de enfermagem.
Manuel Aldeias 

17 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Meu caro,
EStava longe de supor que viria (já) ler o seu último aerograma. Ainda não fiz o que prometi a mim próprio fazer: ler seus posts anteriores à minha tardia chegada aqui... Para já, e é curioso, avivou-me a memória de coisas esquecidas (passaram 40 anos, né?). Por exemplo, a "Maria Turra", não me lembrava... quanto ao resto semelhantes sentimentos e alguns diferentes momentos.

Abraço

(PS - o não ter tido tempo deve-se ao facto de ter criado um segundo blogue destinado ao meu "livro")

franciete disse...

Amigo até já tinha pensado que o nosso Farsola já tinha ido para os anjinhos mas coitado também secalhar não tinha lá muita aceitação.
Adorando estas tristes histórias mas a vida é feita de coisas umas mais outras menos.
Abraço de amiga, tudo de bom em sua vida.

Regina Laura disse...

Manuel, vim aqui para agradecer muito suas palavras tão gentis e toda a força que me transmitiram.
Fiquei muito mal, mas já estou bem melhor, graças a Deus.
Pronta para acompanhar sua história, com capítulos tão repletos de emoção real!
Beijo grande

Unknown disse...

Excelente narrativa num post *****.

Abraço.

franciete disse...

Meu amigo já falta muito pouco mas contudo só Deus sabe se ainda se chega até lá.
Aquele abraço de amizade.

Anónimo disse...

olá, Manuel!
A vida de tropa no Ultramar em forma de diário, a dar uma ideia a quem dela nada conhece- e que são muitos- aqui muito bem relatada.
Pela forma como corre a narrativa, pressinto que algo de mito mau terá acontecido ao Farsola... como tantas vezes aconteceu.

Um braço amigo; obrigado pela sua visita.

Vitor

Anónimo disse...

O que aconteceu ao Farsola????? conseguiu chegar à Metrópole? Ou ficou perdido debaixo de 2 palmos de terra, como muitos rapazes? Já voltou a ouvir notícias dele, mais recentemente?

manuel aldeias disse...

Realmente o Farsola regressou á Metrópole e nunca mais soube dele.
Com a sua partida termina tambem esta minha e dele odisseia.
O meu muito obrigado a todos aqueles que acompanharam esta grande viajem pelas picadas traiçoeiras do norte Angolano, e aos que tiveram a amabilidade de a comentarem.
Em cerca de dois meses foram ultrapassadas as 5.000 visias a este site, a todos um carinhoso abç.
Manuel Aldeias

Anónimo disse...

Não me diga que fica por aqui?
Os seus leitores exigem-lhe que continue.
Em 2 anos de guerra muitas histórias devem ter acontecido.
Toca a puxar por essa memória e pela imajinação.
Fico na expectativa de continuar a ler mais episódios passados na guerra colonial.

Maria Rodrigues disse...

Amigo como sempre uma narrativa brilhante!
Aproveito para agradecer todas as mensagens que tão gentilmente deixa no meu humilde cantinho.
Bom Domingo e uma excelente semana.
beijinhos
Maria

manuel aldeias disse...

Realmente este foi o último episódio desta história.
No entanto próximamente irei iniciar uma nova série, dedicada de igual modo à minha passagem por Angola e pela Guerra Colonial.
Reafirmo de novo os meus agradecimentos a todos aqueles que se dignaram ler e comentar as minhas aventuras.
Um abç.
Manuel Aldeias

Anónimo disse...

Manuel,


Passando pra te ler e desejar uma
semana de Paz ...


Bjo.

José disse...

Manuel!

Quando a gente chegar aos cem anos, nessa altura logo se vê.
Vejo por aqui alguns blogs, começam falando da guerra,mas depois cansam-se e fecham logo, e há tanto para dizer, eu de vez enquanto também tenho falado um bocadinho do muito que ainda tenho para dizer.

José.

ruidaspiçarras disse...

Gostei (embora ainda não tenha lido tudo) de ler as suas memórias.

Anónimo disse...

Manuel, tenho lido as suas histórias, que são de uma discrição e realismo, que só poderão ser relatadas, por quem conheceu in loco todos esses locais. Sugiro que continue e ponha todas elas em livro, enquanto existem ex combatentes que os façam chegar à nossa juventude, que jamais poderá fazer uma pequena ideia no que os pais e avós sofreram na flôr da idade e numa época em que todos queríamos viver com o modo "make love, not war". Num dos relatos que faz no último aerograma do "Farsola", quando se refere aos Boieng 707 adquiridos à TAP, é inverso. A Tap após a descolonização adquiriu as 2unidades 707-300 à FAP e após algum tempo de uso os revendeu à Força Aérea Italiana. No 1º que fiz parte da tripulação, veio directo da Boieng em Renton nos arredores de Seatle (Washinton) com livrete da Aeronáutica Civil Portuguesa completamente desmatriculado (todo branco) e uma equipq de técnicos de Alverca esperou nas Lages, onde lhe pintou uma linha azul de cada lado, a Cruz de Cristo, bandeira e a matrícula 8801 e com o 2º foi a mesma operação levando o nº 8802. Quero pedir-lhe antecipadamente desculpa pela minha observação, mas apenas o fiz que estou certo pelo seu dom de escrita, em breve veremos um "book" de Manuel Aldeias, ou com outro pseudonio. Um abraço e continue a sua inspiração.

manuel aldeias disse...

Muito obrigado pela correção sobre os aviões Boeing 707 de transporte militar.
Fica assim retificada uma dúvida. que sempre tive.
Manuel Aldeias

Carlos cabrita disse...

Enfim mais uma narrativa nua e pura do que se passou no Luvo e na Mamarrosa, que seria do Luvo se não fossem os obusos da Mamarrosa! Que seria da Mamarrosa se não fosse o poletao dos mesmos! Enfim a sorte protege-o os felinos da Mamarrosa e Luvo e regressamos todos sãos e salvos o mesmo talvez não se possa dizer dos nossos camaradas Angolanos que faziam parte da nossa companhia alguns devem pelo que se ouve ter sido fusilados,foram abandonados pela nossa Pátria! Enfim estamos cá um abraço amigo Aldeias