terça-feira, 18 de maio de 2010

A REGIÃO DOS DEMBOS

Extracto de "A MINHA ODISSEIA POR TERRAS ANGOLANAS", onde caracterizo a região em que  eu como soldado de transmissões, iniciei a minha longa odisseia de mais de dois anos pelo imenso território Angolano. 


Esta era uma região de terreno muitíssimo acidentado com bastantes ravinas, vales fortemente acentuados, e muitos morros cobertos de capim designados por morros carecas, os vales a perder de vista eram cobertos por florestas virgens cerradas, só transponíveis pelos trilhos dos animais ou a golpes de catana.


Perto de Nambuangongo existia uma das maiores florestas virgens do norte de Angola, a denominada floresta dos Dembos, a tal onde o MPLA tinha instalado o quartel-general da sua 1ª Região Militar. A abundância de arbustos, trepadeiras e lianas desta floresta galeria opulenta, constituíam autenticas muralhas de penetração muito difícil e que forneciam excelente abrigo ao inimigo
O clima tinha características tropicais e era muito adverso para a saúde de todos nós, caracterizava-se por duas estações: a das chuvas de meados de Outubro a meados de Maio, com altas temperaturas, humidade muito elevada e altos índices de pluviosidade em que chovia bastante. Devido á natureza argilosa dos solos que ofereciam pouca permeabilidade, as picadas eram grandemente afectadas ficando bastante lamacentas e escorregadias, dificultando consideravelmente a circulação das viaturas militares e tornando os percursos morosos e difíceis.
A outra estação de meados de Maio a meados de Outubro, era a chamada estação seca em que não chovia, e que durante a noite e parte da manha o céu se encobria de um manto de nevoeiro, o chamado cacimbo, que por vezes chegava a ser tão denso que tornava impraticável a utilização das pequenas avionetas e helicópteros, com graves consequências no evaquamento de doentes e feridos.
Nesta estação também conhecida por época do cacimbo as picadas tornavam-se extraordinariamente poeirentas, levantando-se grandes nuvens de pó á passagem das colunas militares, que nos obrigavam a cobrir a boca e o nariz com grandes lenços atados em volta do pescoço. Para protegermos os olhos desse pó utilizávamos uns enormes óculos que se ajustavam á face em redor dos olhos.
Esta era uma região com bastantes rios e linhas de agua, a maioria deles transponíveis a vau na época seca, porem na estação das chuvas aumentavam consideravelmente o seu caudal dificultando ou mesmo impedindo a sua transposição.
O apoio logístico dos acampamentos das nossas tropas disseminados pela selva do Norte Angolano era realizado de quinze em quinze dias, pelo MVL (Movimento de Viaturas Logísticas) estas enormes colunas partiam de Luanda e eram constituídas por verdadeiros comboios de camiões civis fretados pelo exército para o transporte dos vários reabastecimentos. Eram escoltadas pelos “Dragões”, um esquadrão de auto metralhadoras Panhard EBR sediado em Luanda e por outras viaturas militares. Os poucos alimentos frescos eram distribuídos duas vezes por semana em pequenas avionetas Dorniers DO 27, que também transportavam o ambicionado correio e evacuavam os doentes.
Nesta zona não existiam populações civis devido á intensidade da guerra, os seus naturais de etnia Quimbundo tinham-se refugiado nas matas ou fugido para a Republica do Zaire logo no início das hostilidades em 1961. Esta região que antes do eclodir da guerra colonial fora muito rica em café, encontrava-se agora com a maioria das suas fazendas abandonadas. Nas raras roças de café ainda existentes e protegidas pela tropa, os trabalhadores eram de étnia Bailundo oriundos do centro de Angola e aqui deslocados das suas terras a trabalhar como contratados.
Era considerada em termos militares uma zona de grande intensidade bélica, a mais violenta do Norte de Angola. Aqui o exército Português era obrigado a defrontar-se com dois dos principais movimentos independentistas, o (MPLA) Movimento Popular para a Libertação de Angola liderado por Agostinho Neto e o Movimento de Holden Roberto (FNLA) Frente Nacional de Libertação de Angola.
Ambos os movimentos possuíam aqui bases permanentes, algumas muito importantes, escondidas no interior das densas e quase impenetráveis florestas virgens que abundavam na região e, delas saíam para colocarem minas anti-carro nas picadas e minas anti-pessoais nos trilhos utilizados pelas nossas tropas. Também recorriam imenso a duras emboscadas contra as colunas de viaturas militares e, chegando mesmo a atacar os nossos aquartelamentos como foi o caso daqueles a que assisti em Nambuangongo, que no curto espaço de 2 semanas foi alvo por parte da FNLA de 4 horríveis ataques, em 31 de Agosto, 10, 12 e 15 de Setembro de 1972.
Estes movimentos também disputavam entre si o controle da região, já que Nambuangongo era um local mítico e simbólico onde tudo começou em 1961.
O ELNA ( Exercito de Libertação Nacional de Angola), braço armado da FNLA era muito forte e agressivo nesta zona, estava organizada em Centrais, Quartéis e Secções. As Centrais dispunham de 1 ou mais grupos móveis bem armados, municiados e instruídos militarmente. Os Quartéis eram compostos por numerosos grupos inimigos de carácter fixo com organização semelhante ás nossas tropas. Por sua vez as Secções eram aglomerados civis protegidos por 3 ou 4 elementos armados em instalações próprias e que se destinavam a alertar as populações da aproximação das nossas tropas e retardá-las se possível. Normalmente tinham postos de vigia nestes aglomerados populacionais, onde normalmente existiam escolas para crianças em que estas aprendiam a ler e a escrever Português.
Por seu lado o MPLA que tinha aqui perto o seu Quartel-general estava dividido em Zonas com sede em Centrais, das quais dependiam as Secções. As Centrais e Secções tinham uma organização semelhante ás da FNLA e tal como esta utilizavam armadilhas, minas e avisos sonoros nos trilhos de acesso ás suas instalações que assinalavam com referencias só deles conhecidas.
Tanto um como o outro movimento tinham uma bem montada e eficiente rede de observação e vigilância, que lhes permitiam controlar todos os movimentos das NT.
MANUEL ALDEIAS

7 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Manuel Aldeias, tambem fui Alferes miliciano, permanecendo algum tempo em Nambuangongo. Tenho duras recordações dessa temível mata do Canacassala.
Os meus parabens pela bela descrição que faz da Zona Operacional.

Anónimo disse...

Manuel Aldeias, fui Fur Miliciano numa unidade sediada perto de Nambuangongo, Muxaluando, uma fazenda de café onde esteve instalada a m/ companhia C. Caç 2526 nos anos de 69 e 70, conheci perfeitamente a região e consequentemente Nambuangongo. Também conheci a mata do Canacassala onde realizámos algumas operações.Tal como o comentador anterior também lhe dou os parabéns pela descrição que faz da região.Permita-me lembrar-lhe que não eram só os Dragões a fazer a protecção do MVL, a minha Companhia também o fazia muitas vezes. Deslocávamos da n/ unidade em Muxaluando e íamos a Balacende pegar no MVL e levá-mo-lo até Santa Eulália, o que era um inferno no tempo das chuvas com as picadas como as descreve no seu artigo. Um abraço

raul silva disse...

Manuel também passei por essses lados entre 72 e 73, conheço bem essas paragens. UM ABRAÇO Raul SILVA

Jotap disse...

Fui Furriel mil. em Muxa,C.C.2526 e camarada deste "anónimo" o que ele informa é uma grande verdade,mas também faziamos proteção aos trabalhadores na apanha do café,ai fomos atacados e tivemos um morto e dois feridos,á engenharia na abertura de estradas(?) e reparação das mesmas,além de operações e patrulhamentos.Enfim!...Dou-te os meus parabéns pelo visão do local,apesar de discordar de alguns aspectos,mas isso são contas de outro rosário.Um abraço J.Paiva

domingos pires disse...

estive em nambuangongo em 1972/73 « depois + 6 meses em s.salvador» era das transmissões e pertencia ao pelotão de morteiros 3093.fui a zala passando na madureira, estive no canacassala acompanhando os obuses do onzo, fui a quipedro etc etc esta era uma zona de guerra tal como já está aqui descrita pelo autor,,,

Jesus da Silva disse...

Meus caros camaradas
Cheguei a Muxaluando no dia 25 de Julho de 1971. Fazia parte da CCAC 3409, comp. independente formada por madeirenses, atiradores, e continentais, os restantes. Fomos apoteoticamente recebidos pelos camaradas que ali se encontravam, os velhinhos, com cânticos que nos rompiam o coração. Foi a noite mais negra da minha vida. Passados poucos dias, já a sós e durante a noite, fomos chamados ao primeiro ato de guerra:, socorrer a fazenda das 3 marias que estava a ser atacada e assaltada. Em virtude da minha função não fui chamado a essa árdua tarefa. Mas, ao ver a partida dos meus camaradas, chorei e, na minha ingenuidade, perguntei se aquilo era mesmo necessário. Disseram-me que já lá havia um morto e que tinham mesmo que ir, nem que fosse para morrer lá todos. Foi a resposta mais estúpida que jamais ouvi. Ainda hoje espero uma justificação. Sei que vou morrere sem ala.
Um abraço e até breve
Jesus da Silva

zevicente disse...

Gostei enormemente da descrição do nosso Camarada Manuel Aldeias, com a qual me identifico absolutamente, e que agradeço. Tambem fiz a minha comissão nesta Zona Operacional, como Alferes Miliciano da C.Caç.1204 do RI-21 de Nova Lisboa, sediada no Lifune-Tari, entre Nambuangongo e Stª Eulália, de 1971 a 1973. O meu Pelotão foi destacado para as 3-Marias, próximo de Muxaluando, e estavamos adidos ao BArt.2900 de Nambuangongo, com o Coronel Alvares Fiúza, um dos mais Guerreiros que conheci. Aceite um forte abraço, Camarada.