terça-feira, 23 de novembro de 2010

Capítulo XXV

A mina anti-carro
Caminhávamos há longo tempo pela estreita e sinuosa picada de terra batida que por vezes atravessava zonas de alto capim que nos roçava as mãos e a cara, outras passávamos por florestas completamente cerradas e quase impenetráveis em que a estreita picada parecia uma linha de comboio a entrar num apertado túnel.

As viaturas circulavam vagarosamente com a velocidade permitida pelos pachorrentos burros do mato, mantendo entre si uma distância de segurança com cerca de 50 metros.
Esta região fronteiriça do norte de Angola, era utilizada pelos guerrilheiros da FNLA, o movimento independentista chefiado
por Holden Roberto, principalmente como local de passagem vindos das suas bases do lado de lá da fronteira em território Zairense e, não era considerada uma zona de guerra de tão alta intensidade como Nambuangongo com a sua terrível e perigosa floresta dos Dembos. No entanto a situação militar ultimamente estava a alterar-se, agravando-se drasticamente no período a seguir á revolução de 25 de Abril de 1974, com violentos ataques aos aquartelamentos de fronteira. Por vezes os guerrilheiros também infligiam duras emboscadas ás nossas tropas, ou colocavam minas escondidas nos itinerários por elas frequentados.
A meio da manhã com o brilhante e intenso sol Africano quase a pique, a coluna parou num local ermo de cerrado e alto capim a roçar os canos das espingardas, não deixando ver nada para lá da ondulante cortina verdejante, a não ser a apertada picada por onde circulavam os pachorrentos burros do mato.
Com esta inesperada e repentina paragem ficamos a poucos metros da viatura que nos precedia e, adivinhando a nossa curiosidade um soldado gritou-nos.
- Parece que encontraram rastos frescos na picada.
O Farsola ao ouvir esta notícia alvitrou.
- Não querem lá ver, que estão a preparar-nos alguma emboscada, ou alguma mina – e adiantou – ou provavelmente as duas coisas em simultâneo.
A coluna avançava agora ainda com mais lentidão e o Farsola de vez em quando lançava o olhar por cima da cabina da viatura, na esperança vã de ver surgir o nosso local de destino. Agora que tinham detectado pegadas recentes na picada receava que estivéssemos prestes a enfrentar a morte, os rebentamentos e os tiros, então desejava que rápidamente tudo isso tivesse um desfecho.
Racionava friamente, se fossemos atacados agora que o sol ainda ia alto, até tínhamos hipóteses de os feridos serem evacuados pelos helicópteros que só voavam durante o dia, o pior seria se o provável ataque só surgisse perto da noite, aí teríamos que carregar com os mortos e os feridos, ou esperar pelo romper do dia seguinte.
Ao descrevermos uma apertada curva, que circundava um alto morro, o Farsola contava mais uma das suas muitas aventuras, em que mais uma vez conseguira fugir da polícia ao volante de um potente BMW roubado junto ao Casino Estoril. Repentinamente ouve-se uma enorme explosão e a viatura que seguia na nossa frente é projectada pelo ar acompanhada de uma enorme coluna de pó e de fumo.
Enquanto a nossa viatura abrandava, nós rapidamente saltamos para o chão temendo alguma daquelas terriveis e mortíferas emboscadas que por vezes se seguiam ao rebentamento destas traiçoeiras minas anti-carro.
Felizmente desta vez a explosão da mina foi um acto isolado e nós corremos para o local do impacto.
A viatura sinistrada encontrava-se reduzida a um monte de ferros retorcidos e os soldados que nela seguiam foram projectados para longe, encontrando-se espalhados pela ravina gemendo e soluçando.
Rapidamente alguns soldados subiram aos morros próximos afim de montarem a segurança, inviabilizando deste modo qualquer ataque que o inimigo pudesse desferir aproveitando-se da fragilidade da situação. Alguns dos feridos encontravam-se muito maltratados, apresentando várias fracturas, principalmente dos membros superiores e inferiores.
Eu rapidamente corri para junto do meu camarada de transmissões, auxiliando-o na montagem das antenas e na ligação via rádio com a sede. Alem dos vários feridos, todos nós nos encontrávamos muito abatidos psicologicamente.
Esta mina ao contrário do que seria de prever e, apesar de todas os veículos seguirem cuidadosamente pisando o rasto deixado pelo rodado da sua precessoura, só rebentaria á passagem daquela que seguia na nossa frente, neste caso a 3º viatura, isto deveu-se à armadilha estar munida com um sistema de trincos pré-programados.
Devido à falta de helicópteros para procederem à evacuação dos feridos, recebemos ordens via rádio para se montar segurança à viatura sinistrada, e procedermos à reorganização da coluna com vista ao seu regresso ao local de partida, onde os feridos seriam socorridos.
Entretanto de São Salvador partira ao nosso encontro uma outra coluna com uma equipa médica, que ao cair da noite se encontra connosco e de imediato iniciou a prestação dos primeiros socorros aos nossos camaradas feridos.
MANUEL ALDEIAS

18 comentários:

José disse...

Olá Manuel!
Obrigado pelo a visita, e pelas palavras,vim aqui só para agradecer,voltarei mais tarde para comentar o post,e falar da guerra também sou um ex-combatente.

um abraço,
José.

PRECIOSA disse...

Amei! conhecer seu blog para mim foi prazer.
Sua maneira inteligente de escrever
Me encantou....
Te sigo com carinho
Sempre estarei aqui de volta
Se permitires.....
Abraços carinhoso
Preciosa Maria

franciete disse...

Olá meu amigo que histórias de vida , vida dura a valer.
Quanto sofrimento passaram os nossos veteranos de guerra, maldita guerra que não fez bem para ninguém, todos foram prejudicados. Tantos que lá sofreram e deixaram suas vidas e parte delas, como os que cá estavam, tantas mães e esposas ficavam semanas, meses,e até alguns anos e os seu ente queridos nem mais uma vez lhe diziam o quanto as amavam.
Enfim só por quem lá viveu no corpo e na pele estas agruras sabe bem dar esse valor,e, você os transcreve aqui para nós de certo que muitas vezes com as lágrimas nos olhos, mas teve a sorte de hoje nos poder contar coisas que muitos não tiveram.
Um grande abraço de amizade e graças a Deus pela protecção que lhe deu, fico esperando mais.

Rita Madeira disse...

Olá Mnuel, que sua vida seja saudavelmente longa e feliz!
Obrigada pelo carinho da palavra.
Faço idéia das penúrias duma guerra.
Suas memórias nos comovem e ao mesmo tempo que nos entristecem, nos traz o conhecimento real desse conflito humano, que será numa era nova banido da face da terra, com a graça de Deus.
Em tempo, informo que tive hospedadas em minha residência 3 moças angolanas - refugiadas da guerra nos anos 70. Ficaram conosco por cinco anos - hoje residem em Portugal e não mais em Angola.

Um beijo no seu nobre coração.
Que Deus te abençoe e proteja, sempre!
http://www.ritapoesias.kit.net/novaera.htm

Anónimo disse...

Manuel,


Sempre grata por suas palavras e visitas.



Bjo e um Dia de Paz ...

Vitor Chuva disse...

Olá, Manuel!

A ideia de ser mobilizado para o Ultramar era então um pesadelo, não só para os próprios como para a família.E aqui está muito bem descrita a razão para tal sentimento; o receio de morrer, e, talvez,ainda mais, o de ficar mutilado para sempre, como aconteceu com tantos.
Lendo este seu relato, acho que não será difícil ter uma ideia da tensão, e também medo, que sentiam aqueles que faziam parte da coluna.
Gostei de ler, fico à espera do próximo post.

Um abraço.
Vitor

Anónimo disse...

Realmente a incerteza e o medo eram acompanhantes permanentes daqueles soldados que faziam parte das colunas.
No caso narrado neste capítulo, apenas aconteceu o rebentamento de uma mina explosiva, digo apenas, pois a maioria das vezes estas traiçoeiras minas eram seguidas de terriveis e mortíferas emboscadas.
Imagine-se o estado de tensão e de medo sentidos por aqueles jovens rapazes vestidos de soldados.

José disse...

Olá Manuel!
Eu também tenho alguns posts no meu blog, que falam da guerra, tive na Guiné em 68 69 70, foram tempos difícies, e sofridos deixaram marcas psicológicas e fisicas, para o resto da minha vida. Fui para uma guerra que eu não quiz, fazer coisas que não queria, onde fui muito mal tratado, e ainda hoje continuo a ser.
Presto-lhe aqui a minha homenagem
por falar da guerra que tantas vidas ceifou, e que tantos jovens estropiou.

Abraço,
José.

José Nunes disse...

Camarada Manuel,fiz a minha guerra no CTIG,Guiné.
Compreendo,temos de ser nós a deixar relatos de vidas vividas,e relembrar os que não voltaram e foram esquecidos,a Nós compete não deixar manchar a memória dos que caíram.
São os nossos mortos,extropiados,e
deficientes,Nós não esquecemos.

Maria Rodrigues disse...

Amigo que momentos tão dificeis e dolorosos. Quanto sofrimento e angústia estão contidos em qualquer guerra.
Tenha um Domingo maravilhoso
Beijinhos
Maria

Manuel disse...

Magnificas as suas crónicas, cheias de sentimentos e emoções.
Relatos impressionantes de uma guerra de que poucos gostavam.
Virei com alguma regularidade fazer uma visita.
Agradeço, igualmente, as suas belas palavras.

Maria Luisa Adães disse...

Tristes lembranças, bem relatadas,
a lembrar o que não deve ser esquecido.

Há uma tendência forte no esquecer!

Gostei de o ler! Obrigada por sua presença no meu blogs. Estou interessada no seu nome, vou deixar o meu.

Um abraço,

Mª. Luísa

Janaina Cruz disse...

Ficam em nós os sinais de guerra, mesmo que ela mesmo chegue ao fim, é um eterno esperar pelo pior... Tu nos descreve de forma direta e real, esses momentos de tensão , e me pego a pensar no que anda acontecendo com o Rio de Janeiro, policiais e o exercito de cara pintada, e onde haveria um matagal imenso, existem casebres e muitos civis lá dentro... Onde será que isso tudo vai parar?

Fábrica de Sonhos disse...

Olá Manuel, obrigada por sua visita e comentário carinhoso sobre meu trabalho. Você escreve em seu blog com muita sensibilidade, parabéns! Tenha uma ótima semana!
Abraços!
Sílvia

Regina Laura disse...

Oi Manuel!
Vim agradecer sua visita tão gentil!!
Não costumo comentar em seu blog, pois as histórias que narra são como um livro, que a gente vai lendo e esperando o capítulo seguinte...
Mas estou sempre por aqui ;)
Forte abraço

Laços e Rendas de Nós disse...

Na altura desta guerra, todos tínhamos um familiar ou amigo nela.

Ainda que assistindo de fora, sentia-a tal qual como a descreve.

Beijo

Graça Pereira disse...

Obrigada pelo teu comentário no Zambeziana. Vim aqui conhecer-te tambem e vou seguir-te porque na "guerra" tive um irmão e marido (que seria depois) que passaram tambem por "boas" em Moçambique.
Está uma crónica perfeita que se acompanha com muito interesse.
beijo
Graça

Anónimo disse...

Manuel,


Te ler é sempre um amontoado
de emoções ....


Bjo e uma Noite de Paz ...