terça-feira, 24 de agosto de 2010

Capíulo XI- A rapariga do meu amigo Farsola, a Aurora.

Clareava o céu sob o imenso e deslumbrante verde da floresta Africana adivinhando mais um dia de tórrido calor, quando esta caravana de saltimbancos se colocou em movimento para aquela que tudo indicava fosse a ultima etapa até São Salvador do Congo.
O comandante da coluna informou-nos que íamos continuar a avançar em direcção ao Norte e á perigosa fronteira faltando-nos ainda algumas centenas de km e, que a situação era preocupante pois havia informações que apontavam para a actividade de vários grupos inimigos na zona e, pediu a todos que se mantivessem atentos e não descurassem a vigilância afim de não sofrermos mais dissabores.
Agora com a manhã a dar lugar á tarde, tínhamos deixado para traz uma vasta zona de floresta galeria, salpicada aqui e ali por grandes morros cobertos de capim como se fossem pequenas ilhotas perdidas no meio de um vasto oceano verde
Nesta nova paisagem da savana Africana com que agora deparávamos, o sol brilhava intensamente sob o doirado do capim e a caravana rodava vagarosamente ao sabor dos buracos da picada, quando o meu camarada olhando-me com olhar melancólico, desabafa, dizendo-me:
- Este vasto capinzal faz-me recordar as searas a perder de vista, junto da aldeia da minha rapariga.
- Então tu conheces a terra da tua Aurora? Perguntei eu.
- Se conheço, foi lá perto que passamos a semana de campo quando terminei a recruta em Beja.
O Farsola tinha conhecido a sua Aurora num baile de sopeiras na Rua do Coliseu. A bela rapariga de apenas 16 anos, servia como criada numa casa burguesa nas Avenidas Novas. Era explorada por uma patroa cruel, cínica e sem escrúpulos e abusada sexualmente ás escondidas pelo gordo do patrão, um careca bonacheirão proprietário de uma herdade no Ribatejo onde criavam touros de lide, tendo-a já obrigado a abortar clandestinamente por duas vezes.
O Farsola para a livrar destes patrões tiranos, arranjara-lhe trabalho num bar de alterne no Cais do Sodré frequentado por marinheiros, daí a ingressar no mundo da prostituição foi apenas um passo
Foram viver para um quarto alugado que ficava ao cimo da Calçada da Gloria e, que de futuro se tornaria de grande utilidade por ficar apenas a dois passos do Bairro Alto e da Boáte Monte Negro, para onde ela acabaria por ir trabalhar mais tarde.
A Aurora era uma bonita e jovem moçoila muito morena, de longos cabelos e olhos negros, não lhe faltando clientes a quem cobrava 20 escudos por pouco mais de meia hora de prazer
- Não sou ciumento. Mas não permitia que a minha rapariga fizesse noites. Essas eram para mim – contava-me ele com nostalgia, recordando as noites de amor tórrido que passara com a sua amada, contando o dinheiro que esta ganhara durante o serão e, prosseguia dizendo.
– Quando não andava a fazer automóveis em Cascais juntamente com o meu grupo, via-me obrigado a exercer um controle cerrado sobre a minha rapariga, não a podia deixar andar com muito dinheiro, pois podia ser roubada ou agredida por algum gajo despeitado. Sabes Mike, a vida de chulo não é um mar de rosas como muitos julgarão. As gajas da vida têm que levar tareia quase todos os dias para se sentirem que são alguém e não apenas objectos sexuais.
A Aurora costumava enviar-lhe periodicamente uma nota de 500 escudos escondida nas amorosas cartas que lhe escrevia. A correspondência era sistematicamente violada e o dinheiro desaparecia, para evitar estes roubos decidira remeter o dinheiro em valor declarado, esse processo requeria uma deslocação á estação dos correios, mas era um envio totalmente seguro.
Ultimamente estas remessas estavam a ser cada vez mais espaçadas e o meu camarada andava triste e desconfiado de que a sua Aurora pudesse ter arranjado outro chulo e, pior ainda que esse a proibisse de lhe enviar dinheiro.
Para esclarecer essa situação resolvera escrever ao seu amigo Chico Bolinhos afim de lhe pedir que controlasse a Aurora e, avisa-se se notava algo de estranho com a sua rapariga.
O Chico Bolinhos também ele chulo de profissão no Bairro Alto, não tinha perdido tempo e enviara-lhe uma extensa carta dias antes da partida para Luanda. Entre um chorrilho de preocupações sobre o comportamento da rapariga, ainda lhe transmitira que se constava que a Aurora ficara grávida.
Ao comunicar estas dúvidas á Aurora esta respondera-lhe que não, que era apenas um pouco de gordura a mais e a idade também não perdoava, pois há praticamente dois anos que se não viam. Também lhe contara que há dois ou três meses atrás fizera mais uma visita á parteira da Praça do Chile e que o serviço tinha corrido tão mal que fora obrigada a recorrer ás urgências do Hospital de São José, acabando por lá ficar internada quase uma semana.
- Pelo menos uma semana esteve a minha rapariga sem trabalhar. Coitada, faço-lhe muita falta! Estas gajas da vida sem um homem por perto não se sabem governar – lamentava-se saudoso o meu camarada.
MANUEL ALDEIAS

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