sexta-feira, 16 de julho de 2010

Capítulo II-Continuação da minha ida á consulta do H. M. de Luanda

Passada uma semana da primeira consulta ao Dr. Taborda, voltei a deslocar-me á Mamarrosa e fui novamente visitar o médico, voltando a afirmar-lhe que tinha bebido o leite condensado, mas que tudo o que comia vomitava e que agora as dores eram insuportáveis.
Para meu deleite e depois de me ouvir atentamente disse-me.
- Pois é Mike. Sendo assim, vais tratar das coisas para seguires no próximo MVL para Luanda, afim de efectuares algumas radiografias no Hospital Militar.
Agradeci-lhe a atenção, despedi-me e, quando me dirigia para a saída ainda o ouvi dizer
- Em Luanda tem cuidado com as cervejas e com o camarão, não são bons amigos do estômago.
Sempre me intrigou o bom do médico não ter descoberto a minha tramóia, tanto mais que as minhas queixas eram exactamente iguais ás do Farsola e praticamente coincidentes no tempo.
Atribuo tudo isto ao facto de ele ser sensível á nossa situação. Isto é, estarmos os dois já com praticamente dois anos de comissão, o que tínhamos passado anteriormente em Nambuangongo, na Força de Intervenção e agora neste cu de Judas.
Nunca tive oportunidade de esclarecer este episódio com o Dr. Taborda pois ele infelizmente faleceu vítima de um acidente de viação pouco tempo após o seu regresso á metrópole.
Durante a nossa curta estadia em Luanda estivemos instalados nos Adidos um quartel na periferia da cidade, onde ficavam os soldados que viessem tratar de assuntos, ou que simplesmente estivessem em transito.
Aqui a vida não poderia ser melhor, pela manha deslocávamo-nos ao Hospital afim de realizar-mos consultas e outros exames. De tarde após ingerirmos o intragável rancho, íamos até á praia na Ilha dar um mergulho nas suas águas tépidas e cristalinas, pois estávamos na estação quente. A noite era passada nas cervejarias da baixa da cidade – Portugália, Versalhes. Ou nos cinemas e noutros locais da vida nocturna que fervilhavam pela grande e maravilhosa cidade que era a bela capital de Angola.
Mas…. Como tudo o que é bom passa depressa, ao fim dumas breves três semanas, devido aos exames se terem revelado inconclusivos, como era de esperar …. Eis que de novo temos que apanhar o maldito MVL de regresso ao abominável mato e á fatídica guerra.
Filha da puta de guerra que já tinha ceifado dois anos á minha juventude. Estava farto de dormir debaixo do chão, feito coelho, acordar ao som de tiros, rebentamentos, suspiros e ais, mas …. Enfim por enquanto estava vivo e inteiro e isso era o que mais interessava naquele momento.
Afim de nos ser passada uma guia de marcha para a viagem, tivemos que nos fardar a rigor e irmo-nos apresentar ao sargento da secretaría dos Adidos. Eu tinha na altura o cabelo um pouco crescido, o que me ajudava a disfarçar a minha condição de soldado na noite Angolana. O homem quando me viu entrar olhou-me para o cabelo e desatou em altos berros.
- Rua! Ponha-se já na rua, e só apareça ao pé de mim com o cabelo devidamente cortado.
- Rua!- Ainda voltou a repetir o lateiro de merda! Cabrão! Filho da puta!
Estes chicos tinham o umbigo tão grande, que por vezes nos ignoravam, o que até acabava por ser vantajoso.
Mandei cortar o cabelo e apresentei-me de novo ao Chico, que desta vez simplesmente me ignorou, possivelmente já nem me reconheceu entre tantos soldados vestidos de igual e com a mesma idade.
Manuel Aldeias

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