sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Uma lata de sardinhas podres

Capítulo XIII
- Cavalgávamos vagarosamente o vasto oceano verde da floresta, ao sabor dos solavancos da viatura nos inúmeros buracos da picada. Era como se navegássemos no convés de algum pequeno veleiro em pleno mar alto, só que aqui não eram as ondas que nos salpicavam a cara, mas sim as densas ramagens que roçavam os taipais da camioneta.
O meu enjoo começara com uma forte cólica intestinal, seguida de uma repentina indisposição que me levou a colocar a cabeça para fora dos taipais e lançar a carga ao mar. Na boca, nariz e garganta, tinha-se instalado um nauseabundo sabor a sardinhas de conserva podres.
Quando nessa quente manhã abrira a lata de sardinhas em molho de tomate retirada da caixa de cartão da ração de combate, reparara que esta se encontrava um pouco opada e com vestígios de ferrugem no seu exterior, contudo não valorizei estes indícios já que o seu conteúdo parecia estar intacto e em condições. O nosso ancião de braço ao peito continuava a viajar connosco e repartíamos com ele as nossas parcas rações, foi o que aconteceu desta vez e, ele aceitou de bom agrado os dois rabos de sardinha entalados entre duas bolachas de água e sal que lhe oferecera.
Provavelmente por ser mais resistente ou talvez por ter comido menos, o nosso ancião mantinha-se sereno e olhava-me condoído perante o meu estado que lamentavelmente piorava a todo o momento
Os constantes saltos da veículo nos buracos do caminho estavam a tornar-se cada vez mais insuportáveis e a deixar-me o corpo totalmente dolorido, como se tivesse sido pisado e esmagado pelo seu rodado, não controlava os intestinos e ansiava pelas inúmeras paragens para descer até á picada e defecar umas borras negras com um cheiro insuportável, ao mesmo tempo que também vomitava um liquido amarelado muito azedo.
A viagem estava a tornar-se num inferno que parecia interminável, sentia-me febril, com o corpo dorido. A diarreia e os vómitos não cessavam, mesmo depois do estômago e intestinos estarem completamente vazios, o que piorava o meu débil estado.
Ao cabo de algumas horas de suplício já não me encontrava com forças para subir para a camioneta, após as minhas constantes descidas ao improvisado W C, nem tão pouco me resguardava nos arbustos que ladeavam a picada e me transmitiam um pouco de privacidade. Simplesmente descia e agachava-me de cócoras entre os rodados, valia-me o meu camarada que me dava a mão e me puxava quase desfalecido para junto dele
Aproveitando uma das constantes paragens, o Farsola correu ao longo da coluna até encontrar um enfermeiro que trouxe consigo, este muito solicito e compadecido com o meu frágil estado viajou comigo durante 2 ou 3 km, mediu-me a tensão e obrigou-me a tomar 2 comprimidos LM, uns comprimidos tipo aspirina que eram receitados para todo o tipo de doenças, desde simples resfriados até ataques de paludismo, escusado será dizer que devido ao meu estado logo de seguida os vomitei.
O prestável do enfermeiro nada mais poderia fazer por mim e disse-me enquanto descia com a bolsa ás costas.
- Se entretanto não melhorares, assim que chegarmos á próxima base tomarei providencias para que sejas colocado a soro. Como tu sabes aqui não tenho condições para tratar de ti.
Ainda balbuciei um agradecimento enquanto ele corria para a sua viatura.
Da composição de cada grupo de combate com cerca de trinta homens, alem de um operador de transmissões com o seu rádio Racal Tr 28, também fazia parte um enfermeiro com a bolsa de enfermagem equipada com alguns utensílios de primeiros socorros, como gaze, ligaduras, injecções de soro anti-ofidico e para o paludismo, os ditos comprimidos LM e pouco mais. Quando nas extenuantes operações apeadas que poderiam durar vários dias, esta bolsa seria carregada ás costas, juntamente com o saco das rações e arma com respectivos carregadores.
MANUEL ALDEIAS

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