Também eu tive a minha madrinha de guerra que me ajudou imenso a ultrapassar os longos e angustiantes dias de trevas, longe dos familiares e amigos enquanto amargurava nas tenebrosas matas Angolanas.
Residia na região de Aveiro, mais propriamente na terra natal do cabo escritas Martinho esta minha madrinha e frequentava o magistério primário, futura professora como a sua irmã um pouco mais velha.
Redigia-lhe extensos aerogramas, chegando a dirigir-lhe quatro e cinco consecutivos, enumerando a sequencia no canto superior direito, ela correspondia-me de igual modo com extensas cartas, ou com vários aerogramas de cor amarela que na metrópole tinham um custo unitário de vinte centavos e estavam isentos de franquia.
Logo pelo Natal de 1972, o primeiro que passei em Angola, enviou-me como Menino Jesus o interessante livro da autoria da premio Nobel Norte Americana Pearl S. Buck intitulado “A Serpente Vermelha”, este excelente livro que eu li com sofreguidão e ainda hoje guardo com carinho, trazia na contra capa uma dedicatória da minha madrinha de guerra, que muito me sensibilizou e que eu aqui reproduzo.
Felicidade Maria onde quer que estejas aceita o meu sincero pedido de perdão, pelo brusco e lamentável corte no nosso relacionamento de escrita, sem aviso prévio e sem de ti me despedir. Atribuo este meu deplorável acto de interromper a nossa amizade virtual ao estado de euforia que de mim se apoderou com o tão ansiado regresso a casa.
No entanto estou-te extremamente grato pelo importantíssimo papel que demonstraste com o teu carinho, palavras de conforto e de estímulo, com que sempre me presenteaste e que tão importantes foram naquela pavorosa odisseia, que foi a interminável e longa noite da guerra em Angola.
Só aqueles que sentiram o coração bater aceleradamente com a chegada do apetecido e ambicionado correio, poderão conceder o justo valor ao importantíssimo papel de uma madrinha de guerra.
Não foi o meu caso, mas no entanto convém recordar que a criação das madrinhas de guerra foi uma iniciativa do (MNF) Movimento Nacional Feminino, fazendo parte de uma estratégia de apoio moral e social aos jovens soldados que combatiam nas ex-colónias, para o efeito publicava-se em algumas revistas, pedidos ás jovens raparigas Portuguesas para participarem neste acto patriótico com o seguinte texto;
"Que cada uma de nós se lembre que lá longe, nas províncias ultramarinas, há rapazes que deixaram tudo: mulheres, filhos, mães, noivas e o seu trabalho, o seu interesse, tudo enfim, para cumprirem o seu dever de soldados. É preciso que as mulheres portuguesas se compenetrem da sua missão, e assim como eles estão cumprindo o seu dever, lutando pela nossa querida Pátria, também vós tendes para cumprir o vosso, lutando pelo bem-estar dos nossos soldados, luta essa bem pequenina, pois uma só palavra, um pouco de conforto moral basta para levar alguma felicidade aos que estão contribuindo para a defesa da integridade do nosso Portugal.
OFEREÇAM-SE PARA MADRINHAS DE GUERRA. MANDEM O VOSSO NOME E A VOSSA MORADA PARA A SEDE DO MOVIMENTO NACIONAL FEMININO".
("Madrinhas de guerra". Revista Presença. Nº 1, 1963, p. 36-37).
1 comentário:
Já por diversas vezes desfolhei as páginas deste livro, perdido entre dezenas de livros da estante do escritório...mas nunca tinha percebido a mensagem que este continha logo na contracapa...uma mensagem de amizade, de conforto, de carinho, para alguem que ainda jovem se viu obrigado a passar o Natal longe da familía e perto do horror de uma guerra. Beijinhos da tua filha Rita A.
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